Quando muita gente pensa no Instagram, vem à mente a imagem de pessoas de férias, pratos de comida bem preparados ou exibicionismo de moda ou de atividades físicas. Especialmente para a geração millennial, o "Insta" de fato se tornou uma plataforma para projetar a melhor imagem pessoal de si mesmo, cuidadosamente selecionada e filtrada. É o lugar por excelência da construção da "marca pessoal".
No entanto, nem todo o mundo notou que o Instagram está se modificando profundamente. A versão pasteurizada do mundo está começando a ficar para trás com o surgimento de vários hábitos novos na plataforma.
Um exemplo são as chamadas "flop accounts", gerenciadas coletivamente por várias pessoas. Em sua maioria adolescentes que há muito tempo se desencantaram com o Facebook.
"Flop" significa fracasso. E é esse exatamente o tema dessas contas. O objetivo é postar tudo aquilo que deu errado. Celebridades envolvidas em escândalos de assédio ou racismo, cenas de violência física ou verbal, comentários homofóbicos e assim por diante. Qualquer questão moralmente duvidosa ou socialmente inaceitável rapidamente ganha espaço nas muitas contas "flop" que estão sendo criadas.
Curiosamente, as contas flop estão virando o lugar onde muitos adolescentes estão se informando sobre as notícias do dia e debatendo controvérsias sociais. Mais do que isso, há um interesse crescente em debater política.
Reportagem recente da revista The Atlantic fez uma análise da dinâmica dessas discussões. Todos os elementos que já se tornaram familiares estão presentes: polarização, uso de memes como ferramenta de propaganda para posições políticas, debates acalorados, anonimato e assim por diante.
Essas contas funcionam como o avesso do mundo cor-de-rosa do Instagram. São também indício de uma mudança geracional. Enquanto os millennials ficaram presos à ideia de marca pessoal, as gerações mais novas (nascidas as partir de 1998) adotam uma estratégia de ofuscamento. Sabem que é arriscado demais apostar tudo na sua identidade real. O risco de se tornarem "flops" por si mesmo é muito grande.
Em razão disso, muitos optam por utilizar múltiplas contas ao mesmo tempo, a grande maioria fechada somente para amigos.
Outra estratégia é a criação de contas fake, que não permitem identificar a identidade da pessoa (os chamados "finstas"). Nessas contas a geração pós-millennial se sente à vontade para projetar seu lado menos glamoroso, sem correr o risco de afetar sua identidade real.
Essa tendência mostra que, na internet, a dinâmica barra-pesada dos fóruns anônimos —como a 4Chan— acaba se projetando por todos os espaços de discussão coletiva, dos grupos de WhatsApp a agora o Instagram.
Quando primeiro escrevi sobre esses fóruns anônimos, em junho de 2009, aqui na Folha, disse o seguinte: "Existe uma força coletiva surgindo do "underground" da rede. Algumas pessoas acham que é uma forma radical de liberdade de expressão, com esteroides. Vejo o fenômeno com desconfiança, acho que pode ser indício de um ovo da serpente, ruim para todo o mundo no longo prazo".
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Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
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