Tributar empréstimos em que o spread bancário é mais alto é ideia cretina
Se há alguma inovação vinda do "pensamento" econômico do PT, a probabilidade de que seja uma péssima ideia tende a 100%.
É o caso do projeto de tributar as operações de crédito em que o spread bancário é mais alto. Os idealizadores da proposta acreditam que isso desestimularia a prática. O resultado, porém, deverá ser exatamente o oposto.
Peço, contudo, um pouco de paciência, porque a compreensão desse problema requer um tanto de matemática, disciplina que, como se sabe, causa urticárias aos "economistas" do partido.
Para entender a questão, considere um banco que capte R$ 100 pagando a taxa Selic, isto é, 6,5% ao ano. Suponha também que, no fim da operação de crédito, o banco espere receber um spread de 1,5%, ou seja, 8,00% ao ano.
Por fim, vamos imaginar que o banco tenha que deixar 20% do volume captado depositado no Banco Central (para manter as contas simples, na medida do possível, presume-se que o BC nada paga sobre esse depósito).
Caso não haja nenhum risco de calote, o banco terá que cobrar 10% ao ano de seu cliente. Como os 10% incidem sobre R$ 80, o rendimento do empréstimo é de R$ 8 para cada R$ 100 captados, ou seja, 8%. O spread observado nesse caso é 3,5% (10%-6,5%), embora o spread recebido de fato pelo banco seja 1,5% (recebe R$ 8,00 e paga R$ 6,50 de juros).
O que ocorreria se o banco fosse emprestar para tomadores cuja chance de calote seja, digamos, 20%?
De cada R$ 100 captados, R$ 80 seriam emprestados, mas apenas R$ 64 retornariam ao banco. Nesse caso, a taxa cobrada teria que ser 12,5% ao ano, pois o rendimento de 12,5% sobre R$ 64 geraria R$ 8,00, mantendo o retorno do banco em 8%, como almejado.
No caso, o risco de calote faria o spread observado saltar para 6% (12,5%-6,5%), embora o spread final permaneça em 1,5% (8%-6,5%).
Digamos que no primeiro caso, em que o spread observado era 3,5%, não coubesse imposto, mas que, no segundo caso, em que o spread observado é mais alto (6%, como vimos), incidisse um imposto de 10%. Assim, se o banco cobrasse os mesmos 12,5% receberia R$ 8 sobre os R$ 64, mas pagaria R$ 0,8 de impostos, ou seja, no fim do processo receberia R$ 7,20 para cada R$ 100 captados, retorno de 7,2%.
Para manter o retorno de R$ 8,00 para cada R$ 100 captados, teria que cobrar cerca de 13,9% ao ano, que geraria R$ 8,88 antes de impostos (e, claro, R$ 8,00 para cada R$ 100 captados depois do imposto).
Em outras palavras, a proposta de tributar os spreads observados mais altos faria com que o custo para o tomador final subisse de 12,5% para 13,9% ao ano, isto é, o spread se elevaria de 6% para 7,4%, precisamente o oposto do objetivo da proposta.
Há, obviamente, que considerar a reação dos tomadores. É possível que alguns não possam arcar com o empréstimo caso o custo chegue a quase 14% ao ano.
Outros, provavelmente mais necessitados, seguiriam com seus planos, mesmo com juros mais altos. Nessa linha, quanto menor for a sensibilidade do tomador de empréstimos à taxa de juros (ou seja, quanto maior for sua necessidade de recursos), tanto maior será o repasse do imposto ao custo do crédito.
Em bom português, trata-se de uma ideia cretina: vende a ilusão de que o imposto mais alto punirá os bancos, mas que acabará encarecendo o custo dos empréstimos precisamente para quem mais necessita deles.
aschwartsman@gmail.com
Alexandre Schwartsman
Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.
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