14/08/2018 - Estadão
A procuradora-geral, Raquel Dodge, propôs nesta segunda-feira, 13, Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei 13.334/2016, que estabelece diretrizes gerais para a prorrogação antecipada de contratos de concessão ferroviária. Segundo Raquel, a lei ‘contém dispositivos que contrariam os princípios constitucionais da eficiência, da impessoalidade, da moralidade e da razoabilidade’, além de ‘violar a regra da licitação e comprometer a qualidade dos serviços oferecidos à sociedade’.
As informações foram divulgadas pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República.
A lei é resultado de conversão da Medida Provisória 752/2016, ‘que previu a possibilidade de prorrogação antecipada dos contratos, mediante investimentos não previstos nos contratos originais e o atendimento de determinadas condições’.
Para a PGR, os requisitos previstos na lei ‘são insuficientes para assegurar a prestação de serviço adequado pelas concessionárias, com prejuízo ao interesse público e aos usuários do transporte ferroviário’.
“Os requisitos objetivos para a prorrogação antecipada favorecem concessionárias que não lograram, nos últimos anos, executar corretamente e com eficiência o contrato de concessão”, alerta Raquel.
O tema é acompanhado desde 2016 pela Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do Ministério Público Federal (3CCR/MPF), que já havia alertado a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre a necessidade de avaliar, nos processos de prorrogação antecipada, a vantagem econômica da medida frente à realização de nova licitação; a exigência de efetiva quitação prévia dos valores devidos pelos atuais concessionários; e os impactos da escolha para a integração da malha nacional.
A ação de inconstitucionalidade proposta pela procuradora-geral tem a mesma preocupação: assegurar que eventual prorrogação dos contratos de concessão ferroviária seja realizada dentro da lei e tendo em vista, em primeiro lugar, o interesse público. “A edição de ato que beneficia o interesse particular na prorrogação de contrato, em detrimento do interesse público na prestação de serviço eficiente e adequado, ofende os princípios da impessoalidade e, paralelamente, da moralidade”, afirma Raquel Dogde na ação.
Além da ADI própria, a procuradora-geral também enviou ao Supremo parecer na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5684/DF, que discute o mesmo tema.
A ação foi proposta pela Frente Nacional Pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente) e pela Federação das Associações de Engenheiros Ferroviários, e tem como relator o ministro Dias Toffoli.
Preliminarmente, Raquel afirma que as entidades não possuem legitimidade legal para propor esse tipo de ação. No mérito, no entanto, reafirma o posicionamento pela inconstitucionalidade da MP 752 e da lei dela derivada.
Relativização
Um ponto destacado por Raquel como potencialmente lesivo à qualidade do transporte ferroviário nacional é a redução que a nova lei fez do conceito de ‘serviço adequado’, requisito que será avaliado pelo governo nos pedidos prorrogação antecipada.
Pelo contrato original, a análise desse item deveria levar em conta uma série de fatores, como regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade e cortesia dos serviços prestados ao longo dos vários anos da concessão, além do valor das tarifas impostas aos usuários.
Com a nova lei, essa análise fica reduzida ao cumprimento de metas de produção e segurança, considerados apenas três dos últimos cinco anos de execução contratual ou, alternativamente, ao cumprimento apenas da meta de segurança, considerados quatro dos últimos cinco anos de prestação do serviço.
“As condições específicas exigidas pela Lei 13.448/2017 alteraram, portanto, exatamente os critérios e conceitos que, nos termos do contrato vigente, constituem condicionantes para a concessionária pleitear a prorrogação contratual no forma originalmente pactuada”, ressalta a PGR.
Na mesma linha, informa a Secretaria de Comunicação Social da PGR, o coordenador da Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do Ministério Público Federal, subprocurador-geral da República Augusto Aras, alerta que a avaliação isolada desses quesitos, num curto espaço de tempo, ‘é incapaz de permitir um diagnóstico real da qualidade do serviço prestado pelas concessionárias que agora pleiteiam a prorrogação contratual’.
Segundo Aras, ‘exemplo disso é que, apesar do histórico de multas e sanções impostas a grande parte dessas empresas, seja pela má qualidade dos serviços ofertados, seja pelo não cumprimento das contrapartidas devidas ao Estado e à sociedade, todas atendem aos critérios de qualificação exigidos pelo governo no contexto da lei atual’.
Insegurança jurídica
A ação da PGR contrapõe o argumento de que a medida provisória seria necessária para assegurar a prestação do serviço e os investimentos dos atuais concessionários até o término dos contratos vigentes.
Para Raquel, essa obrigação existe ‘independentemente de haver ou não possibilidade de prorrogação’.
A procuradora afirma que ‘a ampla repactuação contratual, permitida pela nova lei, traz insegurança jurídica ao mercado’.
“A prorrogação antecipada, nesses termos, ofende, ainda, a regra da licitação e o princípio da competitividade, afastando potenciais interessados em prestar o serviço”, sustenta.
A PGR alerta ainda ‘para o risco de dilapidação do patrimônio da União, por meio da ‘doação’ indevida de ativos operacionais, móveis e imóveis, às atuais concessionárias, sem o respeito às formalidades legais necessárias’.
Isso porque a Lei 13.448/2017 previu a extinção dos contratos de arrendamento desses ativos, com a respectiva transferência não onerosa dos bens operacionais e não operacionais ao contratado, sem exigir sequer prévio inventário dos bens transferidos.
“A falta de inventário dos bens transferidos sem ônus aos contratados, aliada à possibilidade de livre disposição do referido patrimônio, representa, porém, verdadeira doação de bem público sem qualquer formalidade e sem possibilidade de fiscalização”, aponta a ação, segundo destaque da Secretaria de Comunicação Social da PGR.
Urgência
A PGR afirma que a questão é urgente, ‘já que eventual prorrogação antecipada de contratos ineficientes por mais 30 anos além do prazo originalmente estabelecido pode trazer danos irreparáveis aos cofres da União e à população’. Por isso, pede a concessão de medida liminar para a suspensão imediata dos dispositivos questionados (artigo 6.º, §2º, II; artigo 25, §1.º e §§3.º a 5.º e artigo 30, §2.º da Lei 13.448/2017) até o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
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