Nosso grau de abertura é nada menos que indesculpável
Gustavo H. B. Franco, O Estado de S.Paulo
25 Agosto 2018 | 18h54
O grau de abertura da economia brasileira, medido pela soma de exportações e importações (a chamada corrente de comércio) como proporção do PIB, era de 18% em 1960. Era cerca de metade disso na Coreia e na China, respectivamente 9,5% e 8,7%, e para o mundo o número era parecido com o nosso, 17,5%.
Nos 20 anos que se seguiram, a Coreia fez uma incrível transição: seu grau de abertura cresceu para 31,3% em 1970 e para 61,2% em 1980. O vento ajudou: a média mundial chegou a 34,9% nesses anos. No Brasil, em contraste, não avançamos praticamente nada, alcançando apenas 19,2% em 1980.
A Coreia chegou a 82,5% em 2010, quando o grau de abertura no planeta Terra seguiu crescendo até 47,7%. Já no planeta Brasil, nesses anos, registrou-se um ligeiro recuo no grau de abertura, que passa a 17,8%.
Em 2017, nosso grau de abertura foi de 18,3%, praticamente o mesmo de 1960, enquanto a média mundial atingiu 51,9%.
Depois de 57 anos vibrantes de globalização, quando o mundo foi sacudido por investimentos internacionais de muitas variedades, multinacionais, cadeias globais de valor e todo o tipo de modelo de negócio tornando a indústria um fenômeno essencialmente internacional, o Brasil continuou estacionado exatamente no mesmo lugar.
A Coreia tinha uma renda per capita 30% menor que a do Brasil em 1960, mas em 1980 já tinha empatado conosco, num nível perto de 20% da renda per capita dos Estados Unidos. Em 2017, a Coreia chegou a 65% da renda per capita americana enquanto o Brasil chegou a 26%.
A Coreia nos deixou para trás de forma acachapante. Todas as restrições que foram feitas a seu modelo globalizante de promoção de exportações ficaram prejudicadas, bem como as nossas esfarrapadas justificativas para a substituição de importações e para o ideal de autossuficiência.
Essa opção pela abertura, segundo se dizia, não estava disponível para os países grandes. Esqueceram de avisar os chineses. Em 1960, eles se pareciam com a Coreia em abertura e em 1970 se aproximaram da autarquia ao chegar a 4,95% de abertura. Mas o tal “socialismo de mercado” inventado por Deng Xiaoping (famoso, entre tantas realizações, pelo aforismo “não importa a cor do gato desde que cace ratos”), na verdade, um hipercapitalismo, levou a China para um grau de abertura de 19,9% já em 1980 e daí, na mesma toada, até 48,75% em 2010.
Enquanto isso, o Brasil permanece no mesmo lugar e ergue em torno de si um formidável acervo de impedimentos ao comércio exterior, compreendendo tributos, obstáculos administrativos e regulatórios, requisitos de conteúdo nacional e padrões exóticos, como a indefectível tomada de três pinos. E quando tudo parece falhar, sobrevém o apelo utilitário, trazido pelos diplomatas: é preciso reciprocidade, dizem, não vamos entregar nada de mão beijada. Como se não fosse em nosso benefício.
A nossa diplomacia é um exemplo internacional de profissionalismo e competência, inclusive para defender o indefensável. Sem falsa modéstia, o mesmo vale para os economistas. Tive experiências desse tipo, especialmente quando já estava no serviço público e precisava dizer a investidores estrangeiros que a economia brasileira estava em perfeita saúde mesmo tendo taxas de inflação de 30% ao mês. Em retrospecto, eu confesso, era ridículo. Dizia que a indexação era generalizada, que a inflação tinha pouco efeito nos preços relativos e variáveis reais e outras tantas coisas que me envergonho de repetir.
Parece-me que algo muito semelhante se passa com os responsáveis pelas nossas relações internacionais: nosso grau de abertura é nada menos que indesculpável e defendê-lo nos coloca firmemente no terreno do grotesco. Nosso isolacionismo é não apenas vergonhoso, como reduz as nossas possibilidades de progresso. Exatamente como foi, outrora, o nosso gosto pelo inflacionismo, um vício que conseguimos largar.
A liderança chinesa teve imensa coragem e lucidez ao optar pela abertura, uma estratégia que lhes conduziu à condição de potência econômica global. Nos últimos 57 anos, todavia, nos faltou a liderança, ou a convicção, ou ambas.
Quem sabe em 2019...
* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS
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