Recusar um aperto de mão pode ser uma manifestação de grosseria, excetuando casos de ofensa grave ou falta de higiene gritante. Eu próprio, confesso, não sou adepto do gesto quando o meu interlocutor é masculino: uma vida a usar banheiros públicos só confirmou as minhas suspeitas de que os homens mantêm relação problemática com o sabão.
Mas, pergunto, será suficiente para recusar a cidadania a alguém? Na Suíça, é. Ou, para sermos rigorosos, na cidade de Lausanne.
Eis a história: um casal de muçulmanos iniciou o processo para obter o desejado estatuto. Mas, na hora sacramental, recusou-se a apertar as mãos das exatas autoridades que poderiam conceder tal estatuto.
Informa o prefeito de Lausanne que o problema, aparentemente, estava no sexo dos representantes oficiais. O imigrante muçulmano recusou apertar a mão a uma mulher e a imigrante muçulmana reagiu da mesma forma quando confrontada com a manápula masculina. Não houve cidadania para ninguém.
O caso, compreensivelmente, despertou nova polêmica no mundo encantado do multiculturalismo. Se a religião islâmica não recomenda contato físico com estranhos do sexo oposto, a Suíça deveria tolerar a religião dos outros.
As autoridades discordam: uma coisa é tolerar a religião alheia; outra é permitir que essa religião viole a constituição e a lei em matéria de "igualdade de gênero". Quem tem razão?
Já vou responder à pergunta. Mas, quando lia a notícia, uma dúvida instalou-se na minha cabeça: se o Ocidente, um antro de promiscuidade onde toda gente cumprimenta toda gente, é a encarnação mais próxima do inferno, o que leva certas mentalidades a escolher esse Ocidente como destino?
Imagino o oposto: gosto de escrever o que penso, indiferente às sensibilidades do auditório. Será que isso me levaria a migrar para uma sociedade repressiva, com censura oficial, e onde o "delito de opinião" é premiado com dezenas de chibatadas?
Mas não foi apenas a dúvida que me assaltou; foi uma sensação de desconforto com a falta de maneiras do casal. Se as autoridades suíças concediam o direito de cidadania, por que motivo os dois imigrantes não agiram com reciprocidade?
"Reciprocidade" é o termo —um termo usualmente ausente da reflexão multiculturalista. Mas há exceções. Uma delas é o historiador Simon Rabinovitch, que defende precisamente o conceito de "reciprocidade" no trato entre diferentes grupos.
Em ensaio recente para a incontornável Aeon.com, Ravinovitch critica o conceito de "tolerância", sobretudo quando aplicado a grupos religiosos.
Para ele, a "tolerância" sempre foi usada pelas maiorias como forma de controlar as minorias. A relação entre a maioria cristã e a minoria judaica ilustra o ponto: a primeira só tolerou a segunda quando pretendia algum ganho com isso.
Não vou tão longe. Admito que a palavra "tolerância", ao contrário de "respeito", transporte uma certa dose de altivez e condescendência.
Mas, politicamente falando, a tolerância "liberal" nasceu da evidência empírica de que a "indiferença à diferença" era preferível a uma destruição mútua.
Nesse quesito, Ravinovitch está errado: John Locke não pretendia proteger o cristianismo oficial com a sua famosa "Carta sobre a Tolerância". Pretendia defender uma ordem civil pacífica, depois de um século de sangue.
Acontece que Ravinovitch não está errado quando prefere o conceito de "reciprocidade" sobre o de "tolerância". Primeiro, porque a passividade da tolerância pode ser a antecâmera de horrores vários (como Karl Popper sabia, tendo testemunhado a ascensão do nazifascismo e a inação suicidária do liberalismo).
Mas, sobretudo, porque só a reciprocidade, que na sua formulação mais básica pode ser resumida a um "amor com amor se paga" (formulação minha, não de Ravinovitch), é capaz de transformar uma sociedade de estranhos numa comunidade de vizinhos.
Ou, como escreve o autor, só a reciprocidade permite a troca social e cultural que enriquece as sociedades de acolhimento e os imigrantes que a procuram.
Tradução: se me oferecem algo (segurança, liberdade, direitos sociais etc.), eu ofereço algo em troca (por exemplo, não ser desrespeitoso perante os meus anfitriões).
O episódio suíço, antes de tudo mais, é um caso gritante de falta de reciprocidade: a um gesto de boa vontade, seguiu-se um gesto de má vontade.
Recusar a cidadania foi, ironicamente, a única forma que os suíços tiveram de honrar a ética da reciprocidade.
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