Seis em cada dez crianças vivem em situação precária no Brasil, diz Unicef
Estudo estima em 32,7 mi o número de crianças com privação de direitos
Mariana Alvim
SÃO PAULO
Se fossem habitantes de uma cidade, crianças e adolescentes brasileiros com alguma precariedade —seja financeira ou no acesso a direitos como educação e moradia —formariam quase três São Paulo inteiras.
Isto corresponde a cerca de 32,7 milhões de pessoas com até 17 anos expostas a vulnerabilidades, ou seis em cada dez crianças no país. Em relatório divulgado nesta terça-feira (14), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) adota um critério inédito no tratamento à pobreza entre crianças brasileiras: inclui não somente indicadores de renda per capita, mas também o cumprimento de direitos fundamentais garantidos na lei.
O documento mostra que a pobreza "apenas" monetária foi reduzida na última década, mas privações de um ou mais direitos não diminuíram na mesma proporção. Ainda assim, segundo o relatório, 18 milhões de crianças (34% do total) vivem em casas com renda per capita insuficiente para a compra de uma cesta básica (menos de R$ 346 mensais nas áreas urbanas e R$ 269 nas rurais).
O relatório tem como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015.
O Unicef alerta: além de considerar nuances como a influência da raça e da região do país, o desenho de políticas públicas para lidar com a pobreza na infância deve considerar também a assistência a mães, pais e responsáveis delas.
O QUE DIZ O RELATÓRIO
Considerando a lei, o estudo mapeou onde o Brasil está falhando em garantir os direitos de crianças e adolescentes. Somando tanto privações consideradas "intermediárias" e "extremas", é o saneamento(com indicadores como a presença de banheiros e rede coletora de esgoto) que prejudica o maior número de crianças e adolescentes (13,3 milhões), seguido por educação (8,8 milhões) e água (7,6 milhões).
O maior problema está no descarte dos resíduos humanos, uma vez que 22% dos menores de 18 anos vivem em casas com fossas rudimentares ou ao lado de valões. O quadro geral mais grave está no Norte e Nordeste do país, em que 44,6% e 39,4%, respectivamente, dos pequenos têm ao menos uma privação no que diz respeito ao saneamento.
Entre meninos e meninas negras, 'taxa de privação de direitos' supera média nacional e passa dos 50%. O próprio saneamento reflete diferenças observadas em outros quesitos: entre crianças e adolescentes privados de saneamento, 70% são negros.
Considerando todas as categorias de privações envolvidas no estudo, meninos e meninas negras têm uma "taxa de privação de direitos" de 58%, versus 38% dos brancos (no Brasil, a taxa é de 49,7%).
No que diz respeito às privações extremas —ou seja, em que não há acesso algum ao direito em questão —, a desigualdade entre negros e brancos é intensificada: atinge 23,6% dos negros e 12,8% dos brancos com menos de 18 anos.
No quesito educação, por exemplo, há 545 mil meninos e meninas negras de 8 a 17 anos analfabetos, versus 207 mil brancos. Em geral, crianças e adolescentes que moram em áreas rurais têm mais direitos negados que os das zonas urbanas; e moradores das regiões Norte e Nordeste encaram mais privações que aquelas do Sul e Sudeste.
Mas há exceções: no quesito moradia (número adequado de pessoas por dormitório, materiais apropriados nos tetos e paredes e etc.), o Norte está na lanterna, seguido do Sudeste e Nordeste.
Enquanto isso, o percentual de meninos e meninas que têm seus direitos violados é o dobro no campo (87,5%) em comparação com as cidades (41,6%).
ENTRE A ESCOLA E O TRABALHO: ANTIGOS DESAFIOS
Um quinto dos brasileiros de 4 a 17 anos de idade tem o direito à educação violado —isto considerando privações intermediárias, como atraso escolar ou analfabetismo após os 7 anos, e privações extremas, como crianças que simplesmente não estão na escola.
Enquanto isso, 6,2% das crianças e adolescentes do país exercem trabalho infantil doméstico ou remunerado. Isto, inclusive, quando este tipo de atividade é ilegal, como na faixa de 5 a 9 anos (3%, ou 425 mil meninos e meninas neste segmento trabalham) e de 10 a 13 anos (7,4%).
A carga de trabalho é maior para as meninas, com exceção do trabalho remunerado entre adolescentes —este maior entre os garotos. Ser negro ou morar no Norte ou Nordeste implica em uma incidência mais alta do trabalho infantil.
BBC NEWS BRASIL
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