terça-feira, 21 de agosto de 2018

Tal pai, tal filho, tal Folha, Janio de Freitas, FSP

Devemos aos dois Frias, pai e filho, o exemplo cívico incomparável que a Folha tem dado ao país

Pouco entrado na casa dos 20, quase imberbe, mas com a firmeza de um homem experimentado, ele se pôs a ler um texto sob interesse apenas aparente, e compulsório, dos convidados no salão repleto.
Em pouco tempo de leitura, o ambiente era outro. Agora sincera, a atenção surpreendia-se com os conceitos sobre a natureza e a função da imprensa, logo postos como valores assumidos para reger a existência do jornal ali celebrada. Poucas palavras, sobre a diversidade de opiniões publicadas em companhia da informação isenta, explicavam o presente e preveniam para o futuro: "Dizem que a Folha é um saco de gatos. É, sim. E é isso mesmo que queremos ser".


No pequeno texto, Otavio esboçava o que viria a ser, mais tarde, oProjeto Folha por ele traçado e escrito. Um projeto de jornalismo de verdade, que fixou as diretrizes e os modos dos quais derivaria a identidade diferenciada da Folha. A recepção a esse jornal pelo público leitor foi o inverso da que lhe deram, por longo tempo, os poderes dominantes em São Paulo. Só a habilidade incomum e a coragem empresarial e política do Frias pai conseguiram controlar as pressões, na batalha diária e silenciosa.

Em nível pessoal, Otavio foi o visado. De "comunista da Folha" a "neurótico perigoso", que se valia do jornal para propagar seu extremismo, coube muita difamação. Superada essa fase, começava a de cobranças e imputações de líderes e correntes políticas à esquerda como fizera a direita, personificando em Otavio os motivos de suas insatisfações com o jornal ou com algo nele. Muitas das insatisfações foram fundadas, mas poucas não erraram na direção pessoal.

Com os deslizes da Redação, diferentes mas comuns a todas, debitados erroneamente, foi criada nova linha de injustiças com Otavio. Muitas delas tão mais descabidas quanto implicam a expectativa confiante do queixoso na Folha. É, nesse caso, uma permuta de sentidos perversa com os dois lados. E, em particular, com Otavio, levando a idiossincrasias e mais equívocos.

A concepção de jornal adotada por Otavio originou-se, como me disse, do convívio com Cláudio Abramo. Consolidada, foi a inspiração do Frias pai para sustentar a aventura cívica que a Folha tem sido. Imperfeita, sim, mas incomparável no que tem dado ao país com sua independência financeira e política, com seu destemor e com o respeito que tem pelo leitor. E isso devemos aos dois Frias.
Janio de Freitas
Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha.

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