terça-feira, 21 de agosto de 2018

O enigma das redes, Marco Aurelio Ruediger, FSP

Adaptando uma famosa frase de Churchill, é possível dizer que nos dias de hoje as redes sociais para a política são uma charada envolta em um mistério dentro de um enigma.
Especialistas avaliam as candidaturas sobretudo pela capilaridade partidária e pelos recursos, sejam financeiros ou de tempo de vocalização nas mídias tradicionais. São condições necessárias, porém não mais suficientes. O impacto das mídias sociais é uma variável potencialmente disruptiva dessa forma canônica de análise.
Acontecimentos recentes na vida nacional exemplificam o xeque das estruturas formais de poder político frente a movimentos sociais, por dois fatores: a ausência de centralidade e a diminuição dos custos de ação coletiva pela velocidade de circulação de informação, ambas facilitadas pelas redes sociais. Foram os casos das chamadas jornadas de junho de 2013 e da recente greve de caminhoneiros, mapeados pela FGV DAPP.
As redes sociais para a política são como uma charada envolta em um mistério dentro de um enigma
As redes sociais para a política são como uma charada envolta em um mistério dentro de um enigma - Danilo Verpa - 14.out.2013/Folhapress
Evidencia-se, em ambos os casos, um descompasso entre a ação política tradicional e a interlocução com movimentos sociais fluidos e conectados. Em outros momentos dramáticos da vida política brasileira recente, as redes foram decisivas na formação da opinião pública, sobretudo no impeachment.
A política pelas redes gera turbulências na construção de visões de mundo de curto e longo prazo.
Se movimentos sociais eclodiram e se propagaram rapidamente, alterando rumos aparentemente previsíveis do embate político e das correlações de forças entre atores-chave, perturbações subterrâneas mais lentas no campo da cultura geraram alterações substantivas no quadro político.
Isso pode ocorrer, como observado por Helen Margetts, da Universidade de Oxford, porque há uma diminuição do custo de oportunidade de "microdoações" de tempo que, em escala, causam largas mobilizações nas redes e com reflexos no mundo real.
Por exemplo, a partir das jornadas de junho, houve a emergência de uma direita mais orgânica e desafiadora, distanciando-se do centro ao qual anteriormente, por décadas, foi subalterna no Brasil.
A fragmentação na esquerda segue padrão assemelhado. Não só pela clivagem política, mas também pela de grupos de interesse, como associações religiosas, que influenciam a agenda pública.
A exemplo de outras nações, a polarização no caso brasileiro não é exceção. Porém, a essa dicotomia entre esquerda e direita em nosso contexto soma-se uma fragmentação intracampos.
Ou seja, o PSDB é empurrado mais ao centro pela direita, tendo de readequar o discurso a uma versão menos privatista, enquanto o PT tem de fazer um cerco tão acirrado a competidores no seu próprio campo que arrisca perdê-los em um eventual segundo turno.
Essa disputa simultaneamente polarizada entre campos e fragmentada intracampos é um elemento novo, acelerado pelas redes em tempo real, e a elas pode ser creditada a capacidade de mobilização de temas e identidades antes submersas e que preenchem déficits identitários, num contexto em que globalização e falta de confiança na política e nas instituições afetam tanto o cidadão quanto o mercado.
Se repetirmos 2014, quando a eleição foi decidida no fotochart, e se as redes potencialmente moverem de 1 a 3% de opiniões, será o bastante para mudar o destino do país e alterar análises.
Mercado e sociedade lidam hoje, portanto, com uma velha questão aplicada às redes: decifra-me ou serás devorado.


    Marco Aurelio Ruediger

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