sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Os advogados e o aborto, Hélio Schwartsman, FSP

Os advogados e o aborto

Equiparar procedimento a assassinato é incoerente tanto no plano jurídico como no moral

Até existem argumentos respeitáveis contra o direito ao aborto. Equiparar a interrupção voluntária da gravidez a um assassinato, como fez a Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo, deflagrando um racha na vetusta instituição, não é um deles.
argumento se revela incoerente tanto no plano jurídico como no moral. A declaração de que o aborto é um assassinato, que consta de documento aprovado pela comissão, mas que foi repudiado pela presidência e por vários membros do instituto, não resiste nem sequer a uma análise da própria legislação sobre o tema.
Se o procedimento equivalesse mesmo a um assassinato, o Código Penal jamais poderia autorizá-lo, como o faz, nos casos em que a gravidez resulta de estupro. Note-se que, na situação de perigo iminente de vida para a mãe (o outro cenário de aborto legal previsto na legislação), a eliminação do embrião ainda poderia ser vista como ato de legítima defesa. Mas isso não ocorre com o estupro. O análogo extrauterino dessa situação seria permitir que a vítima de violência sexual executasse o criminoso.
Causídicos poderiam, é claro, sustentar que o raciocínio está ontologicamente correto e a lei é que erra ao permitir o aborto em casos de estupro. Mas, aí, como explicar as décadas de silêncio dos advogados paulistas? O Código Penal está em vigor desde 1940. O instituto existe desde 1874.
O argumento não é melhor na seara moral. Admitamos, para efeitos de arguição, que o embrião seja mesmo um ser vivo único que deve receber da sociedade proteção igual à que é dada a indivíduos já nascidos. Imaginemos agora que você, valente leitor, está num hospital em chamas. Só há tempo para mais um resgate. À sua esquerda encontra-se a ala pediátrica, onde ainda resta uma criança no quarto. À direita, o setor de criogenia, onde jaz uma geladeira com 200 embriões congelados. Você deve salvar a criança ou a geladeira? “I rest my case.”
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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