Com o fim do transporte de passageiros por trens de longo percurso, áreas foram abandonadas e sofreram saques e depredações. Hoje, menos de 50% das estações continuam em pé, segundo a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF)
José Maria Tomazela, O Estado de S.Paulo
25 Agosto 2018 | 03h00
SOROCABA - No auge das ferrovias, em meados do século passado, o Estado de São Paulo chegou a ter cerca de 500 estações ferroviárias. Com o fim do transporte de passageiros por trens de longo percurso, durante a década de 1980 e início dos anos 1990, parte desse patrimônio ficou abandonada e, quando não sofreu saques e depredações, acabou ruindo por falta de conservação. Hoje, menos de 50% das estações continuam em pé, segundo a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF).
Uma ação do Ministério Público Federal (MPF) quer agora que a União promova a recuperação de estações ferroviárias abandonadas em seis municípios da região de Bauru, interior de São Paulo. A ação pede ainda que sejam regularizados imóveis ocupados indevidamente e seja dada uma destinação “eficiente, moral e legal” ao patrimônio. O pedido, levado à 1.ª Vara Federal de Bauru, engloba estações e trilhos das cidades de Agudos, Avaí, Cabrália Paulista, Duartina, Pederneiras e Piratininga. Ações semelhantes já foram propostas em São Paulo, Itapeva e Sorocaba.
História ferroviária paulista vira ruína e MPF cobra resgate do governo federal
Os bens, que hoje pertencem à União, integravam o patrimônio das extintas Ferrovia Paulista (Fepasa) e Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Os inquéritos abertos pelo MPF identificaram áreas e imóveis invadidos, depredados e abandonados. O procurador da República André Libonati, autor da ação em Bauru, disse que o processo se restringe aos imóveis sem uso pelas concessionárias. De acordo com ele, casas e estações podem ser utilizadas pelas prefeituras, que se incumbiriam da conservação, enquanto os terrenos se destinariam a parques e moradias populares – ou leilão.
Em Pederneiras, o prédio da estação da Paulista, de 1913, no centro da cidade, foi recuperado pela prefeitura e, além de virar sede da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, abriga um centro cultural. Em um antigo depósito da ferrovia, restaurado, funciona o teatro municipal. “O conjunto estava abandonado até 1998. Agora é o cartão-postal da cidade”, disse Joaquim Bueno, responsável pela segurança do prédio.
Mas na maioria das cidades o que se vê é o abandono. Na mesma Pederneiras, a antiga estação ferroviária de Guaianás, de 1910, foi saqueada até o último tijolo. Restou em pé parte das colunas metálicas que sustentavam a cobertura da plataforma. A área está ocupada por 80 famílias de um movimento social. “A gente estava em um acampamento à beira de uma rodovia e o terreno aqui não tinha uso”, disse o lavrador Valdinei Ribamar, de 35 anos.
Em Avaí, a estação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, instalada em 1906, está em ruínas. Até portas e janelas originais do prédio foram saqueadas e o interior virou depósito de lixo. “Aqui foi o coração da cidade, com um movimento grande de gente e de cargas. Hoje é só tristeza”, diz o aposentado Pedro Mendes Neves, de 77 anos, o último chefe da estação.
Em setembro de 2017, a prefeitura enviou documentação ao governo federal pedindo a cessão do prédio, mas o processo ainda tramita, segundo o assessor de gabinete Fabrício Berbel. “Vamos reformar e instalar ali nosso museu histórico.”
Outras ações do MPF versam sobre o abandono do patrimônio. Em São Paulo, uma ação civil pública iniciada em 2014 pede a reativação do ramal ferroviário Santos-Cajati, que operou com transporte de passageiros até 1997. A empresa Rumo, concessionária da malha paulista, informou que a reativação da ferrovia não se encaixa na concessão. Das 40 estações, restam 12, algumas descaracterizadas, como Itanhaém e Juquiá.
Em 2015, o MPF entrou com ação para obrigar os órgãos da União e o município a restaurar o conjunto da Estação Ferroviária de Itapeva, no sudoeste paulista. O prédio foi construído em 1909 pelo arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, que também projetou a Pinacoteca e o Teatro Municipal de São Paulo. Na época, a prefeitura alegou falta de verba para investir no imóvel. A ação não teve julgamento definitivo e o prédio, abandonado, ameaça ruir.
Em Sorocaba, o Ministério Público Estadual moveu ações para a recuperação do conjunto da Sorocabana, construído há 143 anos. No fim de 2005, o prédio da estação e os armazéns do entorno foram cedidos à prefeitura. Um dos armazéns abriga o Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba. O prédio principal continua abandonado.
Turismo
A ABPF ainda conseguiu recuperar trechos ferroviários instalando trens turísticos, como o de Campinas-Jaguariúna. No Estado, 45 estações e conjuntos ferroviários foram tombados pelo patrimônio estadual. Mais 27 estão em estudo.
No País, há 55 mil imóveis sob análise
A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) informou que tem interesse em dar destinação eficiente aos imóveis não operacionais da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), mas ainda esbarra na falta ou precariedade de documentos relativos a essas antigas estações. Conforme o órgão, o processo de desmembramento e identificação, que precede a destinação, foi iniciado, mas é complexo e envolve 55 mil imóveis no País.
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