quinta-feira, 2 de agosto de 2018

A culpa é sempre da mulher, FSP


Parecemos um país civilizado ao discutir se cabe ao Supremo Tribunal Federal descriminalizar o aborto ou se esta discussão deve passar por consulta popular e ser examinada pelo Congresso. Como se as questões centrais para que tal debate aconteça fossem levadas a sério pelo povo e pelos parlamentares. 
No ano passado, deputados aprovaram na surdina uma PEC que criminalizaria o aborto nas situações já previstas em lei. Em 2015, o então deputado Eduardo Cunha apresentou PL que dificultava a compra de pílula do dia seguinte, criminalizava profissionais da saúde e exigia exame de corpo de delito como prova de estupro. Mas o problema não são só os parlamentares mal-intencionados, guiados por interesses religiosos. 
Nesta quarta (1º), a revista Marie Claire fez um post em suas redes sociais em defesa do aborto. É ali, num ambiente feminino, que fica claro que a batalha que precisa ser travada para assegurar que o assunto seja discutido, com argumentos sólidos, talvez esteja perdida. Percebe-se, pelo bate-boca, que há outra questão, além da calamidade que enfrentamos, a ignorância e a falta de solidariedade de parte das brasileiras. 
De novo, ninguém é a favor do aborto, mas de sua descriminalização, por causa do número de procedimentos ilegais, das mortes, do gasto público com as internações decorrentes de intervenções feitas na clandestinidade, do problema social, da saúde da mulher. Tudo é ignorado.  
As razões contra a legalização não eram apenas superficiais, mas egoístas. É só se prevenir. Feto é vida. Aborto é assassinato. Quem mandou abrir as pernas? É só dar pra adoção. Não quer ter filho, não transe. É esse o nível do “diálogo”. A culpa é sempre da mulher.  
Se parte da ala feminina não entende por números a tragédia em curso, poderia ter mais empatia. Vemos o oposto, o desejo que a mulher seja tratada como criminosa. Deveríamos nos unir, mas nos viramos umas contra as outras. Perdemos todas.
Mariliz Pereira Jorge
Jornalista e roteirista de TV.

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