Fala-se muito sobre Jair Bolsonaro (PSL) ser nosso Donald Trump. O capitão reformado poderia surpreender e, para a estupefação geral, ser conduzido à Presidência por eleitores deixados para trás (os “left behind” do americano).
Assim como Trump atraiu eleitores de estados “enferrujados” pela decadência industrial, Bolsonaro se valeria da indignação contra a corrupção e o medo da violência para vencer.
Imprevisível e de direita, mas com pegada econômica de esquerda; midiático e com discurso tosco, mas direto e simplificado, Bolsonaro seria, como Trump, nosso outsider.
Apanharia a todos de surpresa e arrebentaria o sistema, fazendo o Brazil Great Again —no caso, de volta a um passado idilicamente sombrio que remete ao regime militar.
Para começar, o sistema eleitoral brasileiro é completamente diferente. Trump não teria sido eleito aqui, pois perdeu para a democrata Hillary Clinton por 2,8 milhões de votos, a maior diferença numa eleição nos EUA.
No Brasil, é isso o que conta. E não votos indiretos de colégios eleitorais nos estados, onde Trump derrotou Hillary por 306 a 232.
A eleição no Brasil também pode ter segundo turno, que ocorre quando o mais votado não atinge mais da metade dos votos válidos (excluídos brancos e nulos).
Com exceção das vitórias de FHC em 1994 e 1998, todas as eleições presidenciais pós-redemocratização tiveram dois turnos. Com a fragmentação neste ano, isso deve se repetir.
O segundo turno funciona como um “quebra-molas”. Os dois primeiros na corrida são obrigados a frear e reorganizar alianças. Já os eleitores têm tempo para avaliar de perto as consequências do que estarão prestes a fazer.
Por enquanto, Bolsonaro segue líder modulando corretamente seu discurso em duas pontas, contra o PT e o governo Temer.
Mas, se a eleição fosse hoje, nem a ida ao segundo turno seria certa, dado que 46% dos eleitores dizem espontaneamente ainda não saber em quem votar.
Com tempo exíguo no horário eleitoral e sem alianças (nem vice conseguiu ainda), Bolsonaro também pode desidratar após 31 de agosto, quando alguns de seus adversários aparecerem na TV e falarem no rádio infinitamente mais que ele.
Depois de tanto rodar, o Brasil pode acabar como nas últimas seis eleições: PSDB de um lado, agora aliado ao centrão; PT do outro, com PSB e outras forças da esquerda.
No caso de Bolsonaro, sua maior chance de acabar no segundo turno ou na Presidência parece ser mesmo a de ficarmos falando muito dele, como a coluna acaba de fazer.
Fernando Canzian
Jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.
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