sexta-feira, 4 de abril de 2025

jornalismo Depoimento: 30 anos depois, um repórter descobre que foi ludibriado, FSP

 André Fontenelle

Jornalista brasileiro baseado em Paris. Formado pela UFRJ e pela Universidade de Aix-Marselha (França), com mestrado na UnB. Além da Folha, trabalhou em O Globo, Lance, Placar, Viagem & Turismo, Veja, Época e SporTV.

Paris

Quase 30 anos depois de ter cometido nesta Folha um esquecível texto jornalístico sobre os aprovados em um concurso para a magistratura em São Paulo, fui procurado por diversas pessoas porque, consta, haveria dúvidas sobre a verdadeira identidade com que um dos entrevistados se apresentava.

Não tenho a menor recordação da apuração desse texto específico. Relendo-o hoje, só extraio uma lição a mais sobre a fragilidade do ofício de jornalista, e a que ponto estamos sempre suscetíveis a empulhações.

Produção de fotos genéricas. Justiça. Martelo Juiz
Gabriel Cabral/Folhapress

Pupilo de mestres da profissão, como Nilson Lage (1936-2021) e Ana Arruda Callado, e forjado nessa verdadeira escola de jornalismo que é a Folha, aprendi que o bom repórter deve checar linha por linha as informações de seu texto.

Toda checagem, infelizmente, esbarra em algum grau de razoabilidade. Uma busca nos cartórios pela certidão de cada entrevistado demandaria tempo e esforço incompatíveis com o processo industrial de produção jornalística. Resta a sensação incômoda de ter sido ludibriado, ainda que em um patamar inferior na Escala Grávida de Taubaté.

No final de 1995 a Folha havia criado uma editoria de "especiais do dia", chefiada por Suzana Singer, sob a lógica de que as matérias factuais, em geral as do caderno Cotidiano, precisavam de um molho a mais. Chegava-se à Redação no início da tarde, e às 20h era preciso ter entregado algo diferente. É provável que esse texto obedecesse a essa diretriz.

PUBLICIDADE

Mesmo sem lembrança exata, dá para deduzir o brilhante método de apuração do repórter. A internet, que na época se grafava com i maiúsculo, engatinhava. Nem o UOL existia. Havia um único terminal na Folha com acesso discado, via Embratel. Devo ter procurado os nomes dos aprovados em uma espécie de motor de busca analógico, muito difundido no século 20, chamado "lista telefônica". Isso deve ter me conduzido naturalmente aos sobrenomes mais exóticos, de localização mais fácil, contribuindo para chegar ao nome do cidadão agora em questão.

"Você poderia ter desconfiado desse nome", comentou um ente querido. Sim, talvez, mas repórteres entrevistam com certa frequência pessoas com nomes exóticos.

Na verdade, o que mais lamento, ao reler o texto, é o uso do termo "mulato" na última frase. O mal do jornalista veterano é ver alguns de seus textos envelhecerem muito mal. Às vezes pelos motivos mais surpreendentes.

Alvaro Costa e Silva - O incrível da fusão de 1975 é o Rio não ter acabado de vez, FSP

 Em 15 de março, dia em que a fusão dos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro completou 50 anos, o cientista político Christian Lynch publicou na Folha um artigo apontando o desastre que representou e representa a medida arbitrária do regime militar. "Ela criou um estado artificial, verdadeira dependência do governo federal, sem qualquer coesão política entre capital e interior, que não só nunca emparelhou com São Paulo, mas cuja história de meio século é de ininterrupta decadência e colapso governativo", definiu Lynch.

Reportagem em O Globo confirmou com exemplos vivos o que significa o colapso da autoridade —que primeiro foi imposto e depois endossado por cariocas e fluminenses por meio do voto. Bastou convidar seis ex-governadores e o atual titular do cargo para analisar a fusão. Diante da turma de incompetentes e corruptos —Cláudio Castro, Wilson Witzel, Luiz Fernando Pezão, Sérgio Cabral, Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho, Moreira Franco—, a pergunta é como o Rio de Janeiro não acabou de vez.

Na galeria de governadores do período, ainda tivemos Faria Lima, interventor dos militares; Chagas Freitas, eleito bionicamente e construtor do esquema de clientelismo que vigora até hoje; Leonel Brizola e Marcello Alencar depois da democratização, além de dois vices que assumiram o Palácio Guanabara: Nilo Batista e Benedita da Silva. É pouco ou quer mais?

Os entrevistados elegem um culpado: o general Ernesto Geisel, que, com a fusão, neutralizou na Guanabara a força do MDB, único partido de oposição à época. Têm razão, mas não explicam dois problemas crônicos que atingem a população: a segurança pública e o déficit fiscal (R$ 2,4 bilhões no fim de 2024).

Com reduto eleitoral em Campos, o casal Garotinho dá o mapa da mina desativada: "Os moradores da Baixada e do outro lado da baía sempre votam e pensam diferente dos cariocas". Nas eleições do ano passado, Eduardo Paes bateu fácil o candidato bolsonarista na capital, enquanto o PL fez 22 prefeitos em cidades importantes.

Agrotóxicos são vilões da saúde intestinal, FSP

 

Dan Linetzky Waitzberg

Professor do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Fulvio Alexandre Scorza

Professor do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp. Consultor científico de A Beneficência Portuguesa de São Paulo. Coordenador científico do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar

microbiota intestinal humana, ou "microflora", é composta por uma grande variedade de microrganismos, como bactérias, fungos e vírus, que vivem de forma simbiótica (harmônica e funcional) em nosso trato digestivo.

Ao todo, cerca de 100 trilhões de microrganismos residem no trato gastrointestinal. Estima-se que essa população codifique de 3 a 4 milhões de genes —quase 150 vezes mais genes do que o genoma humano.

A maior parte desses microrganismos são bactérias. Atualmente, cerca de 2.000 espécies já foram identificadas no intestino. Cada indivíduo tem seu próprio padrão de composição e distribuição da microbiota, que se estabelece logo após o nascimento e contribui para o desenvolvimento do sistema imunológico dos recém-nascidos.

A imagem mostra um trator pulverizador laranja em um campo aberto, com céu nublado ao fundo. O trator está em movimento, aplicando um spray sobre o solo, que parece seco e arado. A paisagem é ampla, com uma linha do horizonte distante.
Maquina agrícola lança agrotóxico em uma plantação na Chapada dos Parecis, no Mato Grosso - Lalo de Almeida/Folhapres

Após atingir configuração semelhante à do adulto por volta dos três aos seis anos de idade, ela permanece estável durante toda a vida adulta.

As funções biológicas mais importantes da microbiota adulta estão relacionadas à absorção de nutrientes da dieta, regulação da imunidade e autoimunidade, manutenção da integridade da barreira intestinal, produção de peptídeos antimicrobianos e metabolismo de medicamentos.

Para uma microbiota estável e balanceada (normobiose), são necessários higiene adequada, dieta, exercício, sono, ausência de fumo e de consumo excessivo de álcool, assim como uma exposição limitada a antibióticos, antidepressivos e quimioterápicos.

PUBLICIDADE

A presença de um ou mais desses condicionantes pode gerar desequilíbrio da composição da microbiota (disbiose). Nessa situação, perdemos benefícios estruturais, metabólicos e imunológicos, favorecendo o desenvolvimento de uma série de enfermidades que incluem, entre outras, obesidade, doenças inflamatórias intestinais e até mesmo condições neurológicas e câncer.

Dada a importância da "microflora", há, atualmente, grande interesse em compreender fatores ambientais que podem afetar sua composição e função. Um deles é a exposição a agrotóxicos por meio do consumo de água e alimentos contaminados.

Tragicamente, o mercado brasileiro de agrotóxicos se expandiu rápida e assustadoramente na última década, colocando o país em primeiro lugar no ranking mundial de consumo, incluindo de tipos que são proibidos na União Europeia pelos riscos ao meio ambiente e à saúde humana.

Dessa forma, vários estudos revelam efeitos negativos à saúde relacionados a esta exposição —dermatológicos, gastrointestinais, respiratórios, reprodutivos, endócrinos, de crescimento infantil, neurológicos e carcinogênicos.

Com relação à microbiota, o cenário também é preocupante. Agrotóxicos podem perturbar o delicado equilíbrio de sua composição, o que pode levar a um aumento de bactérias patogênicas, como Escherichia coliSalmonella, Clostridium difficile, e à redução de bactérias benéficas, como BifidobacteriumLactobacillus Bacteroides.

As alterações podem acarretar graves consequências para a saúde, com consequências para resposta imunológica, metabolismo, saúde reprodutiva (fertilidade feminina e masculina) e eixo intestino-microbiota-cérebro.

Este último refere-se à comunicação entre intestino e cérebro, que envolve os sistemas nervoso, imunológico, endócrino e, obviamente, a microbiota intestinal.

Nesse contexto, diversos estudos demonstram com clareza que os agrotóxicos, ao perturbar a microbiota, são capazes de alterar o eixo em questão, e, como consequência, promover várias alterações metabólicas, inflamatórias, neurais e clínicas.

É vital a implementação de estratégias eficazes para minimizar a exposição humana a estas substâncias. Isso deve incluir promoção de dietas orgânicas, melhora das práticas de lavagem e preparação de alimentos e aumento da conscientização pública sobre os riscos à saúde associados aos agrotóxicos.