sexta-feira, 4 de abril de 2025

Agrotóxicos são vilões da saúde intestinal, FSP

 

Dan Linetzky Waitzberg

Professor do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Fulvio Alexandre Scorza

Professor do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp. Consultor científico de A Beneficência Portuguesa de São Paulo. Coordenador científico do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar

microbiota intestinal humana, ou "microflora", é composta por uma grande variedade de microrganismos, como bactérias, fungos e vírus, que vivem de forma simbiótica (harmônica e funcional) em nosso trato digestivo.

Ao todo, cerca de 100 trilhões de microrganismos residem no trato gastrointestinal. Estima-se que essa população codifique de 3 a 4 milhões de genes —quase 150 vezes mais genes do que o genoma humano.

A maior parte desses microrganismos são bactérias. Atualmente, cerca de 2.000 espécies já foram identificadas no intestino. Cada indivíduo tem seu próprio padrão de composição e distribuição da microbiota, que se estabelece logo após o nascimento e contribui para o desenvolvimento do sistema imunológico dos recém-nascidos.

A imagem mostra um trator pulverizador laranja em um campo aberto, com céu nublado ao fundo. O trator está em movimento, aplicando um spray sobre o solo, que parece seco e arado. A paisagem é ampla, com uma linha do horizonte distante.
Maquina agrícola lança agrotóxico em uma plantação na Chapada dos Parecis, no Mato Grosso - Lalo de Almeida/Folhapres

Após atingir configuração semelhante à do adulto por volta dos três aos seis anos de idade, ela permanece estável durante toda a vida adulta.

As funções biológicas mais importantes da microbiota adulta estão relacionadas à absorção de nutrientes da dieta, regulação da imunidade e autoimunidade, manutenção da integridade da barreira intestinal, produção de peptídeos antimicrobianos e metabolismo de medicamentos.

Para uma microbiota estável e balanceada (normobiose), são necessários higiene adequada, dieta, exercício, sono, ausência de fumo e de consumo excessivo de álcool, assim como uma exposição limitada a antibióticos, antidepressivos e quimioterápicos.

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A presença de um ou mais desses condicionantes pode gerar desequilíbrio da composição da microbiota (disbiose). Nessa situação, perdemos benefícios estruturais, metabólicos e imunológicos, favorecendo o desenvolvimento de uma série de enfermidades que incluem, entre outras, obesidade, doenças inflamatórias intestinais e até mesmo condições neurológicas e câncer.

Dada a importância da "microflora", há, atualmente, grande interesse em compreender fatores ambientais que podem afetar sua composição e função. Um deles é a exposição a agrotóxicos por meio do consumo de água e alimentos contaminados.

Tragicamente, o mercado brasileiro de agrotóxicos se expandiu rápida e assustadoramente na última década, colocando o país em primeiro lugar no ranking mundial de consumo, incluindo de tipos que são proibidos na União Europeia pelos riscos ao meio ambiente e à saúde humana.

Dessa forma, vários estudos revelam efeitos negativos à saúde relacionados a esta exposição —dermatológicos, gastrointestinais, respiratórios, reprodutivos, endócrinos, de crescimento infantil, neurológicos e carcinogênicos.

Com relação à microbiota, o cenário também é preocupante. Agrotóxicos podem perturbar o delicado equilíbrio de sua composição, o que pode levar a um aumento de bactérias patogênicas, como Escherichia coliSalmonella, Clostridium difficile, e à redução de bactérias benéficas, como BifidobacteriumLactobacillus Bacteroides.

As alterações podem acarretar graves consequências para a saúde, com consequências para resposta imunológica, metabolismo, saúde reprodutiva (fertilidade feminina e masculina) e eixo intestino-microbiota-cérebro.

Este último refere-se à comunicação entre intestino e cérebro, que envolve os sistemas nervoso, imunológico, endócrino e, obviamente, a microbiota intestinal.

Nesse contexto, diversos estudos demonstram com clareza que os agrotóxicos, ao perturbar a microbiota, são capazes de alterar o eixo em questão, e, como consequência, promover várias alterações metabólicas, inflamatórias, neurais e clínicas.

É vital a implementação de estratégias eficazes para minimizar a exposição humana a estas substâncias. Isso deve incluir promoção de dietas orgânicas, melhora das práticas de lavagem e preparação de alimentos e aumento da conscientização pública sobre os riscos à saúde associados aos agrotóxicos.


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