Quase 30 anos depois de ter cometido nesta Folha um esquecível texto jornalístico sobre os aprovados em um concurso para a magistratura em São Paulo, fui procurado por diversas pessoas porque, consta, haveria dúvidas sobre a verdadeira identidade com que um dos entrevistados se apresentava.
Não tenho a menor recordação da apuração desse texto específico. Relendo-o hoje, só extraio uma lição a mais sobre a fragilidade do ofício de jornalista, e a que ponto estamos sempre suscetíveis a empulhações.
Pupilo de mestres da profissão, como Nilson Lage (1936-2021) e Ana Arruda Callado, e forjado nessa verdadeira escola de jornalismo que é a Folha, aprendi que o bom repórter deve checar linha por linha as informações de seu texto.
Toda checagem, infelizmente, esbarra em algum grau de razoabilidade. Uma busca nos cartórios pela certidão de cada entrevistado demandaria tempo e esforço incompatíveis com o processo industrial de produção jornalística. Resta a sensação incômoda de ter sido ludibriado, ainda que em um patamar inferior na Escala Grávida de Taubaté.
No final de 1995 a Folha havia criado uma editoria de "especiais do dia", chefiada por Suzana Singer, sob a lógica de que as matérias factuais, em geral as do caderno Cotidiano, precisavam de um molho a mais. Chegava-se à Redação no início da tarde, e às 20h era preciso ter entregado algo diferente. É provável que esse texto obedecesse a essa diretriz.
Mesmo sem lembrança exata, dá para deduzir o brilhante método de apuração do repórter. A internet, que na época se grafava com i maiúsculo, engatinhava. Nem o UOL existia. Havia um único terminal na Folha com acesso discado, via Embratel. Devo ter procurado os nomes dos aprovados em uma espécie de motor de busca analógico, muito difundido no século 20, chamado "lista telefônica". Isso deve ter me conduzido naturalmente aos sobrenomes mais exóticos, de localização mais fácil, contribuindo para chegar ao nome do cidadão agora em questão.
"Você poderia ter desconfiado desse nome", comentou um ente querido. Sim, talvez, mas repórteres entrevistam com certa frequência pessoas com nomes exóticos.
Na verdade, o que mais lamento, ao reler o texto, é o uso do termo "mulato" na última frase. O mal do jornalista veterano é ver alguns de seus textos envelhecerem muito mal. Às vezes pelos motivos mais surpreendentes.
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