segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Microbiota da vagina e do útero está ligada a infecções, abortos e infertilidade, apontam estudos, FSP

 Julia Estanislau

SÃO PAULO

Desequilíbrios na microbiota vaginal e uterina estão associados a um risco maior de nascimentos prematurosinfecções sexualmente transmitidas, abortos espontâneoscânceres ginecológicos e infertilidade, mostram estudos recentes.

Microbiotas (floras) são a ocupação de bactérias, vírus e fungos em diferentes regiões do corpo, como a boca, a pele e o trato gastrointestinal. Elas têm um papel essencial na manutenção da saúde, e suas atividades metabólicas impactam diretamente o hospedeiro.

O corpo humano possui mais bactérias do que células. São 39 trilhões de bactérias para 30 trilhões de células humana. Nos últimos anos, novas técnicas vêm sendo desenvolvidas para mais bem compreender o papel desses microorganismos.

Desequilíbrios na flora vaginal e uterina estão associados a um risco maior de nascimentos prematuros, infecções sexualmente transmitidas, abortos espontâneos, cânceres ginecológicos e infertilidade, mostram estudos recentes
Desequilíbrios na flora vaginal e uterina estão associados a um risco maior de nascimentos prematuros, infecções sexualmente transmitidas, abortos espontâneos, cânceres ginecológicos e infertilidade, mostram estudos recentes - Adobe Stock

Um estudo publicado no PubMed demonstrou, por exemplo, que o conjunto de microrganismos que vivem no endométrio está associado à fertilidade e ao sucesso de implantação do embrião.

Segundo o trabalho, mulheres inférteis que passaram por reprodução assistida e conseguiram engravidar tinham uma maior quantidade de bactérias Lactobacillus. Já as mulheres que não tiveram sucesso na gestação apresentaram baixas quantidades dessas bactérias.

"Os lactobacilos fazem parte do exército de defesa da vagina. Quando a gente vai olhar para os probióticos que têm potencial de tratamento para disbioses, a gente tem essa possibilidade de usar alguns lactobacilos", diz Maurício Simões Abrão, ginecologista, obstetra e referência em endometriose. Eles controlam o crescimento de bactérias que fazem mal ao corpo, além de manter o PH vaginal baixo.

Uma pesquisa publicada na revista científica Gene também associa a diminuição das bactérias Lactobacillus no endométrio à presença do câncer nesse local. O estudo demonstra que a obesidade e o câncer podem exercer influência na microbiota do endométrio.

Foi observado que os desequilíbrios causados pela obesidade no estrogênio e na inflamação influenciam a microbiota do intestino e da vagina, e a disbiose desses ambientes pode promover o câncer.

Mais avançadas, pesquisas sobre a microbiota intestinal já revelaram que os microrganismos presentes nesse órgão produzem vitaminas importantes que o corpo humano não produz, como a B12 e K. Também ajudam na digestão, protegem a parede intestinal de patógenos, fortalecem o sistema imune, além do impacto nas doenças mentais.

"A composição dessa microbiota afeta muito o sistema imunológico, a resposta imune e a resposta inflamatória, por isso que essas disbioses (desequilíbrio) muitas vezes estão associadas a condições sistêmicas", explica Leandro Araújo Lobo, professor adjunto no departamento de microbiologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O desequilíbrio da microbiota intestinal tem correlação com a doença de Crohn e a diabetes tipo 1, por exemplo.

Segundo os especialistas, as pesquisas sobre a microbiota uterina enfrentam dificuldades adicionais, como as mudanças hormonais e fisiológicas por conta do ciclo menstrual. Além disso, há evidências de que a microbiota da mulher é diferente dependendo da etnia.

"A flora depende do clima, do que você come, da sua flora intestinal. Depende de um monte de coisas juntas", diz José Maria Soares Júnior, chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP.

Alguns estudos apontam que a microbiota encontrada no endométrio poderia ser fruto de uma ocupação temporária ou permanente, ou de uma contaminação.

"A questão é muito controversa. A gente não sabe se existe realmente uma microbiota uterina no endométrio. Foi detectado DNA bacteriano em amostra de tecido do endométrio, mas isso não significa que ali existe uma microbiota", diz Leandro Lobo.

Até o momento, não há como estabelecer uma relação de causa e consequência entre os achados e as doenças do sistema reprodutor feminino.

ENDOMETRIOSE PODE ESTAR LIGADA À CONTAMINAÇÃO BACTERIANA

São 190 milhões de mulheres em idade reprodutiva que têm endometriose no mundo. A hipótese mais antiga da causa da doença é a da menstruação retrógrada, situação que atinge 90% das mulheres. Porém, apenas 10% dessas desenvolvem a doença.

A partir dessa constatação, surgiu a hipótese da contaminação bacteriana para explicar o aparecimento da doença. Novos estudos que buscam uma resposta na microbiota estão sendo conduzidos.

Uma pesquisa publicada em junho na Science diz que a endometriose pode estar ligada a uma infecção por Fusobacterium. O estudo, realizado com 155 mulheres com e sem endometriose no Japão, encontrou a bactéria em 64% das mulheres com a doença, e em apenas 7% das mulheres sem.

"As bactérias de região por região podem mudar. O que foi encontrado no Japão às vezes se repete em outras partes do mundo. Essa relação é muito difícil", diz Soares Júnior.

Outro estudo, uma parceria entre a USP e o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), buscou entender o perfil da microbiota intestinal e vaginal de pacientes com endometriose como uma forma de diagnóstico da doença de forma não invasiva. Eles encontraram uma maior abundância das bactérias do gênero Anaerococcus em mulheres com endometriose em estágios avançados.

"Essas questões da microbiota são extremamente complexas. São cerca de mais de 500 espécies diferentes só de bactérias, sem pensar em fungos e vírus. É uma relação extremamente complexa que a gente ainda está começando a arranhar a superfície do iceberg, tem muita coisa ainda debaixo da água", diz Lobo.

Segundo os especialistas, há uma área de transplantes de microbiota em crescimento. O transplante de microbiota fecal, por exemplo, já aconteceu e se provou eficaz contra a colite, doença intestinal inflamatória crônica.

Agora, a nova fronteira da saúde reprodutiva é o transplante de microbiota vaginal: a transferência de fluido cervicovaginal de uma doadora saudável para outra que queira restaurar a flora do local. Também existe a possibilidade de tratamento com probióticos e prebióticos para tratar o desequilíbrio na microbiota vaginal.

"O futuro da medicina é olhar por esse caminho. É olhar para o alimento, para microbiota dos diversos lugares. E eu acho que é o caminho que a gente está seguindo com algumas doenças", afirma Abraão.

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Brasil tem a conta de luz que mais pesa no bolso entre 34 países, FSP

 


BRASÍLIA

O Brasil está no topo de um ranking que mede o peso da conta de luz no bolso de consumidores locais, em comparação com 33 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Na média, o brasileiro compromete 4,54% da sua geração de riqueza anual com o pagamento da tarifa residencial. É o maior valor, bem acima do apurado para nações europeias, como Espanha (2,85%), Alemanha (1,72%) e Luxemburgo (0,35%) —país em que a energia tem o menor peso sobre renda no grupo analisado.

O resultado brasileiro também fica distante do identificado em economias emergentes, como Chile (2,65%) e Costa Rica (2,76%).

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Subsídios e tributos elevam preço final da conta de luz no Brasil - Gabriel Cabral/Folhapress

O ranking foi elaborado pela Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres). A entidade considerou as tarifas residenciais de 2022, consolidadas no serviço de dados da Agência Internacional de Energia, e o PIB per capita (Produto Interno Bruto dividido pelo número de habitantes) calculado para o mesmo ano pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).

"O levantamento demonstra que precisamos rediscutir os custos no setor elétrico brasileiro, porque ele está distorcido para os consumidores locais em comparação aos de outros países quando consideramos a renda", explica o diretor de Energia da Abrace, Victor Hugo iOcca, que coordenou a organização do ranking.

O brasileiro pagou US$ 34 (R$ 176,50), em média, por 200 kwh (kilowatt-hora) no ano passado, um valor parecido ao desembolsado pelo polonês, que foi de US$ 34,39 (R$ 178,50). Ocorre que a nossa renda per capita estava na faixa de US$ 9.000 (R$ 46,7 mil), enquanto no país do leste europeu ela era o dobro, US$ 18 mil (R$ 93,4 mil), comprometendo uma fatia menor da renda, 2,26%.

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Na Turquia, cujo PIB per capita é próximo ao do Brasil, na casa de US$ 10 mil (R$ 51,9 mil), a energia custou praticamente metade da brasileira, US$ 17,9 (R$ 93) e compromete 2% da renda

A equipe da Abrace lembra que o custo da tarifa sofre variação de acordo com diferentes fontes de energia. As renováveis estão entre as mais competitivas atualmente, enquanto carvão, nuclear e gás natural passaram a custar mais, além de sofrerem com o risco geopolítico. A guerra da Rússia contra a Ucrânia, por exemplo, pressionou o preço do gás.

No entanto, o que pesa, e muito, é a calibragem da política pública. Existem países que nitidamente optaram por ter energia mais barata.

Assim como ocorre no Brasil, cerca de 60% da geração do Canadá vem de hidrelétricas, seguida de outras renováveis, como eólica. No entanto, aquele mesmo montante de energia custou US$ 10 (R$ 51,91) menos que no Brasil. Foi de US$ 24 (R$ 124,6). Como a renda média anual no país é de R$ 55 mil (R$ 285,5 mil), o consumidor saiu ganhando. Apenas 0,54% da renda vai para pagamento da tarifa residencial.

Os Estados Unidos tem feito investimentos pesados em renováveis, mas a estrutura energética ainda é o inverso —quase metade da geração de eletricidade vem de térmicas movidas a combustíveis fósseis, como gás e carvão. Ainda assim, o seu custo é inferior ao do Brasil, US$ 30,25 (R$ 157). Como o PIB per capita americano é um dos maiores do mundo, US$ 76 mil (R$ 394.5 mil), apenas 0,48% é gasto com a conta de luz.

Muitos países têm optado por subsidiar novas fontes limpas de energia. É uma decisão de governo com apoio de contribuintes. A Dinamarca tem um forte programa de descarbonização e uma carga tributária elevada sob a tarifa de energia, de quase 70%. O custo tarifário é mais alto entre os países do ranking, US$ 103 (R$ 534,6).

Mas isso não é nem de longe um sacrifício financeiro num país cuja renda per capta é de US$ 66,5 mil (R$ 345.2 mil). Apenas 1,87% vai para custear a energia em casa.

"O Brasil já é destaque em energia limpa, renovável e barata, não faz sentido que tenha uma conta de luz tão alta para o nosso perfil de renda, mas ela está sendo sobrecarregada por tributos e subsídios, que já correspondem a 40% do preço final", afirma Paulo Pedrosa, presidente da Abrace Energia.

"O ranking mostra como esse custo chega nas pessoas pela conta de luz, mas ele também está no preço de tudo que é fabricado no Brasil. O comprometimento da renda é muito maior."

Segundo projeção da entidade, os brasileiros estão pagando a mais, neste ano, cerca de R$ 10 bilhões ao mês apenas para custear tributos e subsídios. No ano, serão R$ 119 bilhões para essas duas despesas (leia a lista abaixo).

Os subsídios ampliam espaço na conta de luz principalmente por iniciativa do Congresso, onde a política é mais sensível a lobbies, mas o governo federal tem utilizado a conta de luz como uma extensão do Orçamento. Na tentativa de reverter a tendência, há um movimento entre entidades do setor para transferir parte dos custos que estão na tarifa para o Tesouro Nacional.

O consumidor de energia elétrica no Brasil mantém fundos de pesquisa e desenvolvimento, paga por subsídios a setores que já são rentáveis, como as renováveis solar e eólica, e sustenta políticas públicas, que muitas vezes não têm relação com a área de energia elétrica, como água, esgoto e saneamento (leia lista abaixo).

Em levantamento similar, mas com outras fontes, realizado com dados de 2021, o Brasil aparecia como segundo no ranking da Abrace, atrás da Colômbia. Os preços da energia registraram forte alta, após o país ter ampliado o uso de térmicas, e funcionaram como munição adicional em recentes crises políticas.

Dependente de hidrelétricas, que sofrem com variações do clima, a Colômbia tem enfrentado dificuldades para implementar os projetos de renováveis. Há cerca de um ano, propôs um pacto nacional em busca do que chamou de "tarifa justa". Mobilizou empresas e lançou um pacote de mudanças nas leis do setor e na estrutura técnica, com a promessa de reduzir os custos da energia.

Na prática, foi uma intervenção, e os resultados ainda são incertos, mas serve de exemplo sobre os riscos políticos, econômicos e regulatórios quando se perde o controle do preço da energia. O país ainda não divulgou seus indicadores de 2022 e, por isso, não consta do ranking neste ano.

Já foram produzidos inúmeros levantamentos mostrando que o brasileiro tem dificuldade de arcar com tantas despesas adicionais na tarifa de energia. A pesquisa "Opinião sobre o Setor Elétrico", realizada pelo Datafolha para Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), no ano passado, por exemplo, identificou que 72% dos brasileiros deixam de comprar itens básicos para pagar conta de luz, e 40% disseram que já tinham deixado de pagar o boleto alguma vez naquele ano.

O QUE TEM NA CONTA DE LUZ

Os principais itens da cobrança

32,48%
é custo de energia, que neste ano está estimado em R$ 111, 4 bi

27,38%
vai para transmissão e distribuição, R$ 93,9 bi

17,00%
são tributos, que somam R$ 58,4 bi neste ano

15,92%
equivalem a encargos, muito mascarados de subsídios, que totalizam R$ 54,6 bi

3,61%
vai para perdas técnicas, R$ 12,4 bi

1,98%
cobre furto de energia, R$ 6,8 bi

1,54%
custeia a iluminação pública, R$ 5,3 bi

O QUE PESA MAIS A CONTA DE LUZ

Entre os itens que deixam a energia mais onerosa em 2023 estão:

TRIBUTOS

R$ 58,44 bi

PRINCIPAIS SUBSÍDIOS

R$ 33,42 bi
para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), sendo R$ 12 bilhões para a CCC (Conta de Consumo de Combustíveis) do sistemas isolados; R$9,28 bilhões para descontos tarifários na distribuição; R$ 5,6 bilhões para Tarifa Social para consumidores de baixa renda; R$ 2,43 bilhões. para descontos na transmissão; R$ 1,12 bilhão para o subsídio para carvão mineral nacional

R$ 12,16 bi
para Conta de Reserva, que o consumidor paga para garantir a segurança do sistema

R$ 6,8 bi
para cobrir perdas não técnicas, como furtos de energia do sistema;

R$ 5,45 bi
para o Proinfa, programa de compra de energia renovável

R$ 5,34 bi
para garantir a iluminação pública das cidades

R$ 939 milhões
para o fundo com o objetivo de promover a eficiência do setor elétrico

R$ 939 milhões
para o fundo voltado ao desenvolvimento a pesquisa do setor

R$ 244 milhões
para ESS (Encargos do Serviço do Sistema)