sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Sérgio Rodrigues Entre palhas e pulhas, o palhaço do Trump, FSP

 Agora que temos um representante da categoria como hiperativo animador de auditório —o cargo oficial é chefe de Estado— de uma das maiores potências do mundo, que tal visitar a origem e a história da palavra "palhaço"?

Identificar Donald Trump como um expoente do gênero, um palhação, não significa apresentar atenuante ou alívio para o risco que o presidente americano oferece à segurança de milhões de pessoas com perfil demográfico politicamente vulnerável, nos EUA e em todo o mundo —e, no limite, à segurança do planeta como um todo.

Significa apenas nomear um estilo de político contemporâneo de grande sucesso: o populista autoritário e bravateiro de extrema direita que, em vez de ter medo do ridículo, entrega-se a ele com tanto entusiasmo e tanto desprezo ao bom senso que passa a inspirar medo.

Trata-se de um modelo seguido por gente como Jair Bolsonaro e Javier Milei, entre outros nomes, mas que o presidente americano —até por ter muito mais poder— representa melhor do que ninguém, especialmente na versão mais radical de seu segundo mandato.

Se o deslocamento do debate público para a esfera histérica e manipulável das redes sociais é imprescindível para o momento apoteótico do palhaço de extrema direita, basta recordar o histrionismo de Hitler e Mussolini para entender que nosso tempo não inventou o personagem do zero.

De todo modo, a figura do comediante sinistro, monstruoso e assassino tem longa história. Quando o escritor Stephen King a renovou em seu romance "It" (no Brasil, "A Coisa"), de 1986, estava trabalhando com uma linhagem que chegava perto de se confundir com a do palhaço propriamente dito.

Donald Trump assina ordem que proíbe mulheres transgênero de participar de competições esportivas femininas - Andrew Caballero-Reynolds/AFP

O termo italiano "pagliaccio", que nasceu com o sentido de "palha picada", transbordou no século 18 para diversos idiomas, inclusive o nosso, como sinônimo de bufão de circo, comediante popular de trajes extravagantes e modos bizarros.

Mas o que existe de palha no palhaço? Hoje oculta, a relação entre um sentido e o outro deve ser buscada no traje do "pagliaccio" original: como conta o etimologista brasileiro Antenor Nascentes, a palavra passou a nomear "um personagem do teatro popular napolitano, o qual se vestia de fazenda de forrar colchão de palha".

Mais um século e já vamos encontrar, em 1892, o palhaço assassino estreando como personagem de uma ópera de sucesso, "Pagliacci", de Ruggero Leoncavallo, em que o protagonista Canio mata a facadas sua mulher e o amante dela durante o espetáculo.

Quando Lula, que vinha mantendo uma discrição estudada em suas manifestações sobre o colega americano, diz que ninguém pode "viver de bravata a vida inteira" e "ameaçando todo mundo", está se referindo ao comportamento agressivo e inconveniente de um palhaço a quem tiveram a perigosa ideia de conferir poder.

No que vão dar as palhaçadas sinistras de Trump, só aguardando para saber. O que parece certo é que seu estilo bufo de se comunicar, entre a grosseria e a fanfarronice, somado às ameaças diárias de trocar a negociação pela força dos músculos em todas as instâncias políticas, vai agravando dia a dia o isolamento de uma potência decadente.

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