A redução das perdas de água é essencial no saneamento, mas os contratos de concessão atuais, modelados pelo BNDES, apresentam falhas na alocação de riscos, que já estão resultando em litígios.
Note-se que os concessionários já possuem incentivos econômicos para reduzir perdas, pois elas impactam negativamente a sua receita e aumentam custos, de maneira que seriam desnecessárias regras rígidas para imposição de metas de perdas.
No entanto, as metas contratuais são criadas e impostas sem considerar a baixa confiabilidade dos dados sobre as perdas existentes no momento da publicação do edital de licitação.
A medição das perdas exige macromedidores para quantificar a água tratada e micromedidores para registrar o consumo. Entretanto, muitos sistemas estatais operam com hidrômetros antigos e sem macromedição adequada, tornando os dados imprecisos.
O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), que é geralmente a referência usada na estimativa de perdas de água, está baseado em informações autodeclaradas, e, por isso, frequentemente apresenta inconsistências, comprometendo a modelagem das concessões, pois as metas de redução são baseadas em dados inexatos e com fontes não confiáveis.
Os contratos de concessão de saneamento, como os de Alagoas e do Rio de Janeiro não tratam especificamente do risco de divergência entre as perdas estimadas e as reais.
O contrato de Sergipe, que foi assinado no ano passado, e os do Pará e de Pernambuco que estão em licitação, permitem a revisão das metas caso haja discrepância, mas não preveem reequilíbrio econômico-financeiro, transferindo o risco integralmente para o concessionário.
Isso distorce o processo licitatório, favorecendo concorrentes que assumem riscos excessivos sem necessariamente garantir maior eficiência operacional.
A correta alocação de riscos deveria considerar a capacidade de controle de cada parte do contrato. No caso das perdas de água, o concessionário não tem meios de validar as estimativas fornecidas pelo poder concedente antes da assinatura do contrato.
Nesse contexto, as cláusulas que penalizam a concessionária caso as perdas efetivas sejam superiores às estimadas podem comprometer a sustentabilidade econômico-financeira do contrato, levando ao descumprimento de metas, necessidade de renegociação ou até rescisão.
A diferença entre perdas estimadas e efetivas traz desafios como prazos inviáveis para realização dos investimentos exigidos do concessionário e custos operacionais maiores que o previsto. Sem reequilíbrio contratual, as concessionárias podem enfrentar dificuldades financeiras e fatalmente recorrerão ao litígio. Experiências anteriores demonstram que disputas arbitrais sobre concessões na União levam anos para serem resolvidas, aumentando custos e atrasando investimentos essenciais no setor.
A solução passa pela revisão dos contratos futuros e vigentes. Para novas concessões, o BNDES deve adotar cláusulas que permitam ajustes nas metas e reequilíbrio financeiro quando as perdas efetivas (aferidas de forma confiável e com exatidão) forem superiores às estimadas.
Também é essencial aprimorar a qualidade dos dados na modelagem das concessões, adotando metodologias de certificação e auditoria para reduzir assimetrias informacionais e tornar o processo licitatório mais transparente.
Nos contratos em vigor, os órgãos reguladores precisam corrigir a atribuição equivocada de riscos. Reguladores devem reconhecer que a atribuição de riscos não controláveis aos concessionários compromete a viabilidade dos contratos e pode resultar em litígios prolongados.
A revisão contratual deve levar em conta que os licitantes não conseguem apurar as perdas efetivas antes da assinatura do contrato, garantindo que o risco da discrepância seja assumido pelo poder concedente.
O tema das perdas de água não pode ser tratado de forma simplista. Melhorar a qualidade das informações e redistribuir corretamente os riscos são medidas fundamentais para garantir contratos equilibrados.
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