Apoiadores do engenheiro de computação Luigi Mangione, 26, angariaram mais de R$ 2 milhões (cerca de US$ 354 mil) em doações para o acusado de matar o CEO da UnitedHealthcare, Brian Thompson.
O fundo foi criado na plataforma GiveSendGo por um grupo de defensores de Mangione após o crime em Nova York em 4 de dezembro. "Não estamos aqui para celebrar a violência, mas acreditamos no direito constitucional de representação legal justa", informa a página de apresentação da campanha.
O assassinato a tiros, cujas imagens de câmeras de segurança rodaram o mundo, acabou provocando debate sobre o sistema de saúde americano, que muitos consideram injusto. Mangione sofria de dores crônicas nas costas que afetavam sua vida diária, de acordo com amigos e publicações em mídias sociais, apesar de não estar claro se o fato tem relação com o homicídio pelo qual é investigado. Segundo a UnitedHealth, Mangione não era seu cliente.
O dinheiro arrecadado por meio da plataforma foi aceito pelo time jurídico do suspeito nesta semana e será usado para pagar sua defesa legal, diz o grupo. Mangione é representado nos tribunais por Karen Agnifilo, ex-promotora do estado de Nova York, e por seu marido, Marc Agnifilo, que também representa o rapper Diddy Combs. O engenheiro e o músico estão presos no Metropolitan Detention Center, no Brooklyn.
As doações vão de US$ 5 a US$ 5.000 (R$ 29 a R$ 29 mil), com média inferior a US$ 30 (R$ 173), segundo o grupo. A maioria das mais de 11,5 mil colaborações individuais registradas até agora na plataforma é anônima, mas doadores têm aproveitado a visibilidade do site para enviar junto às doações mensagens públicas de apoio a Mangione e críticas ao sistema de saúde americano.
Um usuário que se identifica como Ken Richter doou US$ 10 e compartilhou: "Em nome de minha esposa com câncer de mama. E por terem me falado que o anestesiologista dela não era coberto. E por terem negado uma ressonância magnética que era necessária para saber se o câncer voltou. E por cobrarem mais de US$ 300 por uma consulta via telefone. Liberdade ao Luigi!".
Levantamento divulgado pela YouGov em dezembro mostra que 61% dos americanos têm uma visão muito ou um pouco desfavorável da indústria de planos de saúde. Estudo recente do Pew Research Center mostrou ainda que o acesso a tratamentos de saúde é considerado o segundo maior problema dos EUA pelos americanos, atrás apenas da inflação e à frente de temas como violência armada e imigração ilegal.
Em comunicado divulgado dias após o assassinato de Brian Thompson, a UnitedHealthcare disse que aprova e paga 90% dos pedidos de pagamento ou reembolso médico solicitados.
"Importante destacar que, entre aquelas solicitações que requerem análise adicional, cerca de 0,5% são devido a razões médicas ou clínicas. Informações altamente imprecisas e grosseiramente enganosas têm sido divulgadas sobre o tratamento de reivindicações de seguros pela nossa empresa", escreveu a companhia.
A insatisfação com as seguradoras de saúde do país é mencionada em diversas das centenas de mensagens que apoiam a vaquinha online de Mangione.
"Para minha mãe, que teve que esperar tempo demais pela aprovação de uma exame de tomografia. Que ela descanse em paz", relatou um usuário que doou US$ 5. Outro usuário anônimo que doou a mesma quantia escreveu: "Estou fazendo essa pequena doação em nome de meu irmão falecido, que ainda estaria vivo se não fosse pela ganância insaciável do sistema de saúde dos EUA".
As seguradoras são apenas uma parte do cenário de saúde dos EUA. Cerca de 60% dos americanos obtêm cobertura por meio do trabalho, no qual o empregador subsidia parte do seguro, de acordo com a Kaiser Family Foundation. No Brasil, essa modalidade é chamada de coparticipação.
Os outros dependem de programas federais ou estaduais, como o Medicare para idosos e o Medicaid para indivíduos de baixa renda.
A maior mudança recente no seguro de saúde dos EUA ocorreu com a promulgação da Lei de Cuidados Acessíveis, conhecida como Obamacare, em 2010, que expandiu a cobertura do Medicaid. Também criou mercados de seguros de saúde administrados pelo governo e restringiu as seguradoras de negar cobertura com base em condições preexistentes.
"É minha quarta doação, porque enquanto o governo está tentando tirar o Medicaid de uma pessoa que eu amo e é tetraplégica e depende de respirador, as companhias de saúde estão nos mantendo mais doentes e mais pobres. Esse sistema é uma bagunça, e eu acredito em justiça", escreveu um apoiador de Mangione.
"As centenas de milhares de dólares que arrecadamos revelam que uma massa considerável da população está exausta desse sistema de saúde que nos mantém doentes, pobres e amedrontados", diz a escritora e podcaster Jamie Peck, uma das porta-vozes do grupo organizador da campanha.
Parte dos doadores também critica o que vê como excessos dos procuradores no caso. Mangione responde a três processos criminais em dois estados diferentes, Pensilvânia e Nova York, e um na esfera federal, na qual pode ser condenado à pena de morte por terrorismo. Para o grupo que organiza a arrecadação, a pena em questão visa fazer do engenheiro um exemplo e é mais rigorosa do que àquela buscada pela Promotoria em casos de ataques em massa à escolas, com diversas vítimas, ou nos processos contra autores do ataque de 6 de Janeiro ao Capitólio.
A maior doação na plataforma, no valor de US$ 5.000, é de um usuário que diz se opor firmemente à pena de morte e considerar "a politização da potencial morte de qualquer pessoa" um ato "profundamente perturbador".
Mangione deve voltar às cortes americanas na próxima semana, para audiência no estado de Nova York em 21 de fevereiro.
Com Financial Times.
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