terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Juliano Spyer - Devemos dar mais atenção ao que Trump diz e faz, FSP

 Donald Trump anunciou, na semana passada, a criação de um Gabinete da Fé na Casa Branca e de uma comissão presidencial para defender a liberdade religiosa. Ele afirma que o cristianismo é vítima de violência e vandalismo nos EUA. Vamos dar a ele o benefício da dúvida.

O correspondente Steven Erlanger, do New York Times, surpreendeu ao defender que Trump faz as coisas de forma desajeitada e bruta, mas aponta para questões reais. Ele se referia ao problema de levar 2 milhões de civis para viver nas ruínas de Gaza.

Trump justifica a criação do Gabinete da Fé e da comissão para defender a liberdade religiosa afirmando que existe um viés anticristão na sociedade. A ideia é que pessoas em posições de liderança e formadores de opinião geralmente vêm de ambientes acadêmicos em que a religião é vista como charlatanismo reacionário para controlar e manipular pessoas.

Afinal, existe uma predisposição na sociedade para julgar de maneira diferente quem defende os pontos de vista do cristão conservador? O argumento ecoa mesmo entre conservadores moderados nos EUA e também aqui. Se você é cristão, branco e/ou homem, é retroativamente culpado pelos crimes que seus antepassados cometeram.

Na semana passada, a reputação da psicanalista Maria Rita Kehl foi linchada nas redes sociais por seu avô ter promovido ideias de limpeza racial no Brasil. Senti falta de mais manifestações de intelectuais públicos lembrando que raça é uma construção social e que, diferentemente do que pensavam os eugenistas, o DNA não transmite traços de personalidade, caráter ou visões de mundo.

Também na semana passada, o antropólogo Rodrigo Toniol argumentou, nesta Folha, sobre o risco de a cantora Claudia Leitte ser condenada por cometer racismo religioso. Em mais de uma ocasião, ela cantou a música "Caranguejo" substituindo a palavra "Iemanjá" por "Yeshua" (Jesus em hebraico).

Toniol comparou esse caso à ação movida por um grupo católico contra a produtora Porta dos Fundos (PdF) por mostrar Jesus participando de um ménage à trois em um programa. O STF decidiu favoravelmente ao grupo humorístico, entendendo que a peça causa desconforto, mas não incita violência nem contém discurso de ódio.

Cena do especial de natal da Netflix 'A Primeira Tentação de Cristo', feita pelo grupo Porta dos Fundos
Cena do especial de natal da Netflix 'A Primeira Tentação de Cristo', feita pelo grupo Porta dos Fundos em 2019 - Netflix/Divulgação

Mesmo defendendo Leitte, Toniol foi criticado por conservadores. Para eles, o PdF atacou a fé cristã ao dessacralizar a figura central dessa religião, enquanto a cantora não diminuiu nem ofendeu as religiões de matriz afro.

Trump aponta para a existência de um problema. Podemos refutar a ideia de que o cristianismo está sob ataque dizendo que esse grupo não é minoritário nem vulnerável. Dizer que usar o governo para defender o cristianismo fere a liberdade religiosa em vez de protegê-la. E não reclamar quando eleitores cristãos —majoritariamente pretos, pobres e mulheres— desdenharem do "esforço da esquerda para dialogar com evangélicos".

Lembro que, seguindo as taxas de crescimento registradas nos últimos Censos, o número de evangélicos no Brasil terá passado de 32,1% em 2022 para 35,8% em 2026.

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