quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Comunidades religiosas vivem teste nos EUA, Lucia Guimarães - FSP

 A convulsão em curso nos Estados Unidos está exacerbando mais do que divisões políticas. Convicções religiosas de pelo menos um quarto da população estão sendo testadas.

Numa carta enérgica aos bispos, o papa Francisco exortou os 52 milhões de adultos católicos americanos a resistir à discriminação contra imigrantes e refugiados —uma clara crítica ao recém-convertido católico e ex-ateu vice-presidente J. D. Vance.

Manifestantes realizam ato em Nova York, nos EUA, para relembrar ataque de 7 de outubro; cartaz diz 'judeus a favor de justiça racial e econômica' - Michael M. Santiago - 7.out.24/AFP

Já na comunidade judaica americana, sinais de dissidência pelo apoio à matança de palestinos são mais abafados, além de ser enfrentados com penalidades como demissões e isolamento social em comunidades.

Um novo livro deve custar ainda mais ostracismo ao autor, um cientista político e membro de uma sinagoga ortodoxa de Nova York. É "Being Jewish After the Destruction of Gaza, a Reckoning" (ser judeu depois da destruição de Gaza, uma avaliação), escrito por Peter Beinart especialmente para os amigos que perdeu. "Este livro é sobre a história que contamos para nós mesmos como virtuosas vítimas permanentes, para bloquear o som dos gritos," ele escreve.

Beinart é descendente de sul-africanos e visitava Israel regularmente desde a infância, em viagens que ele recorda com enorme afeto. Só depois dos 30 anos se engajou em diálogos com palestinos. Ele se diz envergonhado pela demora em compreender que a história que ouviu e ia transmitir aos filhos é incompleta. "Hoje é mais perigoso questionar a legitimidade das ações de Israel do que desacatar a autoridade da Torá", diz Beinart. Ele acredita que a secularização do judaísmo levou a uma evasão moral, à negação dos textos sagrados.

A acusação mais comum desde o terror do 7 de Outubro é de "contextualizar violência." Beinart, que denuncia os antissemitas Hamas e Hezbollah como supremacistas islâmicos, não foge da discussão e deixa claro que ela nada tem a ver com justificação. Sem contextualização, argumenta, não se interrompe ciclos trágicos de violência, como os EUA descobriram ao não refletir melhor sobre o que levou ao terror do 11 de Setembro.

O autor destaca que um grande pecado na fé judaica é a idolatria —venerar criações humanas— e lembra que "um Estado, criado por seres humanos, é avaliado pela maneira como respeita a santidade do indivíduo. A vida das crianças de Gaza é santa."

A filósofa Hannah Arendt alertou logo cedo para o sionismo descolado da fé. Quando foi recebida em Israel para cobrir o histórico julgamento do nazista Adolf Eichman, uma investigação que resultaria no clássico "A Banalidade do Mal", Arendt saiu consternada de um encontro com a então chanceler Golda Meir que lhe disse não acreditar em Deus, mas no povo judaico.

Arendt comentou: "A grandeza deste povo brilhou num momento em que eles acreditavam em Deus e acreditavam nele de tal maneira que o seu amor e a confiança Nele eram maiores do que o seu medo. E agora esse povo só acredita em si mesmo? Que bem pode ser derivado disso?".

Peter Beinart, que é professor de jornalismo na City University de Nova York, dá de ombros para as represálias inevitáveis e confessa que sua angústia maior vem de conversas com jovens judeus praticantes. "Eles me procuram dizendo que estão se sentindo intimidados em sinagogas e não têm coragem de conversar francamente com rabinos."

"Onde estão nossos líderes religiosos para nos lembrar do que significa moralmente ser um judeu?", pergunta.

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