Há quase 20 anos ocupando uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo, o novo presidente da Casa, Ricardo Teixeira (União Brasil), 66, diz ter visto os gabinetes se transformarem em estúdios de vídeo, se referindo ao grupo de vereadores que se elegeu na esteira das redes sociais.
Em sua primeira semana liderando o plenário, ele já encarou o primeiro bate-boca entre bolsonaristas e governistas, na última quarta (6), sobre os ataques golpistas de 8 de janeiro. Conta que conversou pessoalmente com eles e permitirá que todos falem, mas "cada um no seu tempo".
Em entrevista à Folha nesta quinta (6), o sucessor de Milton Leite (União) evitou se indispor com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), de quem foi secretário de Mobilidade. Mas prometeu independência e marcou posição contra a queda de multas e a alta de óbitos no trânsito na cidade, sua pauta prioritária.
Defendeu uma regularização forte do serviço de moto por aplicativos, que segundo ele contribui para uma "indústria de mortes" nas ruas, e quer reabrir o debate sobre emendas impositivas dos vereadores, ou seja, sobre tornar obrigatório o pagamento dos recursos pela prefeitura.
Quais são suas prioridades para este ano?
Ficar vivo! Brincadeiras à parte, minha prioridade é ser um mediador, criar liberdade para todo mundo falar. Quanto mais tempo de plenário, melhor. Não temos votações, comissões nem CPIs ainda, então é a hora de os vereadores, principalmente os novos, colocarem seus pontos de vista. Com respeitabilidade, sem ofensas para nenhum lado. Também quero aproximar a Câmara da periferia, criar um aplicativo, abrir o prédio para visitas nos finais de semana. É um ano, não tem muito o que fazer, né? É deixar uma marca.
Alguma pauta prioritária?
Eu venho da área de mobilidade, então me incomodam muito as mortes no trânsito, que estão subindo exponencialmente, principalmente de motociclistas. Também acho importante discutir propostas para o mototáxi —os 55 vereadores querem falar desse assunto—, além de facilitar a mobilidade e o que eu chamo de distritalização, que é cada um viver mais no seu distrito.
O sr. fez parte da gestão de Nunes e foi escolhido por ele para ocupar essa cadeira. Como garantir ao eleitor que vai atuar de forma independente, e não pelos interesses do prefeito?
São dois Poderes diferentes. Com certeza vamos divergir em muitos pontos de vista. Nós temos que ter independência. Da mesma forma que eu quero esse convívio com todos os vereadores, eu mantenho com o prefeito também. Na questão do mototáxi ou do alagamento no Jardim Pantanal, por exemplo, eu tenho uma visão semelhante à dele, mas não igual. É normal que isso aconteça. E eu posso pensar uma coisa lá na minha casa, mas aqui é a maioria que vai dar o caminho.
Como pretende atuar em possíveis bate-bocas entre vereadores considerados mais ruidosos?
Na primeira sessão [terça-feira] não teve tanta coisa, ontem [quarta] já teve. Tinha um orador falando na tribuna [Dheison Silva, PT] e outros fora gritando. Depois eu até conversei pessoalmente com eles e falei: vocês podem fazer exatamente o que estavam fazendo, mas cada um no seu tempo de fala, cada um no seu quadrado. Eu acredito que depois desse tensionamento, o resto da sessão foi até mais equilibrada, mais normal. Vamos ver como vai ser nas próximas.
Alguns vereadores são da base, mas se declaram independentes e já até propuseram CPIs que podem prejudicar o prefeito. Como vai lidar com eles?
Nesses 20 anos de Câmara eu sempre fui da base, porque o meu eleitor lá na ponta não quer saber se eu sou oposição ou situação. Ele votou em mim e quer que a vida dele melhore. Hoje, a gente elege um grupo de vereadores que trabalham mais pela internet, os gabinetes aqui viraram estúdios de vídeo. Eles têm votos esparramados pela cidade inteira, seus eleitores são de vários lugares, idades e estratos diferentes. Então eles vêm para cá e pensam diferente. Para mim, não tem problema nenhum. E não tem CPI que ataca o governo, a CPI tem que ir atrás do problema.
Tornar as emendas impositivas, como o sr. quer, não pode prejudicar a governabilidade de Nunes?
Entrei nessa pauta porque a oposição sempre reclama que suas emendas não são executadas a tempo. Consultei todos os ex-presidentes, como o Eduardo Tuma, que contou que quando ele era presidente e Bruno Covas era prefeito [ambos do PSDB], ele parava a sessão até que as emendas da oposição fossem acertadas. Aí eu chamei os vereadores e disse que minha posição é de que todas as emendas sejam pagas. Falei: ou a gente vai pelo caminho da emenda impositiva, ou continua no caminho do diálogo com o Executivo. Um dos vereadores disse que já tinha um projeto de lei sobre isso, então sugeri que ele reabra e a gente discuta para levar para à prefeitura.
O sr. quer uma CPI sobre as mortes no trânsito, mas elas começaram a aumentar quando virou secretário, em 2021.
Eu assumi depois da pandemia. O fenômeno foi o aumento na quantidade de motocicletas, e depois vem a culpabilidade dos aplicativos. Eles prometem seu lanche em dez minutos, e o menino se mata no caminho para entregar. Esse é o tipo da economia que causa problemas à sociedade. Também sou favorável a mais radares na cidade, e aí você vai falar que há uma divergência com o prefeito. Não existe uma indústria de multas na cidade, é o contrário, existe uma indústria de mortes. Já pedi ao prefeito campanhas educativas, e é preciso trocar os radares de lugar e colocar outros em porta de escola, igreja, hospital, para proteger os pedestres. A periferia quase não tem fiscalização.
O sr. foi responsável pela pasta. Não teme que essa CPI o prejudique?
Por quê? É só pegar as minhas ações, a gente deixou a faixa azul, a quantidade de coisas que a gente fez pela redução de acidentes. Mas se quiser me investigar, eu apoio, eu estou trazendo essa CPI. Eu fui secretário por 20 meses e peguei esse período pós-pandemia. As campanhas de trânsito estavam prontas para fazer, quantas fizemos? Nenhuma. Tem muita coisa que o prefeito Ricardo Nunes tem que colocar agora para acontecer.
Qual modelo de regulamentação das motos por aplicativo o sr. defende?
Vai ser a pauta do mês. A melhor regulamentação é a que tirarmos aqui em conjunto. Tem que ser uma regulamentação forte. Considerar a cilindrada da moto, que curso esses meninos têm que fazer, se tem baú na traseira e também preparar o próprio cidadão. Quero ouvir principalmente o sindicato, porque são eles que estão na rua. Pode ser que se decida proibir, ou que só vamos ter na periferia, ou só na faixa azul, ou só a cilindrada X. Temos que discutir aqui. Mas [concordo com o prefeito que] liberar agora com certeza causaria mais mortes. Se morre 1,3 motociclista todo dia, com garupa esse número vai aumentar.
Pretende voltar à Secretaria de Mobilidade depois da presidência?
É o que eu gosto, né? Se eu puder contribuir para a cidade, meu nome está disponível. Mas eu nunca pleiteei nada, nem ser secretário nem ser presidente da Câmara. Diante de um acordo político de diversos partidos, fui lembrado para as duas posições, e a conclusão foi de que era melhor ficar aqui nesse momento.
RAIO-X | Ricardo Teixeira, 66
Vereador desde 2007, foi eleito presidente da Câmara Municipal de SP por um acordo entre seu antecessor, Milton Leite, e o prefeito Ricardo Nunes. É criador da faixa azul para motos e foi secretário municipal nas gestões de Nunes (Mobilidade e Trânsito), Fernando Haddad (Meio Ambiente e Subprefeituras) e Gilberto Kassab (chefe de gabinete). Engenheiro de formação, passou por cargos na CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), antiga Dersa (Desenvolvimento Rodoviário), DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos).
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