quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

JACOB PINHEIRO GOLDBERG, Discurso contemporâneo recicla velhas ilusões e sustenta novos dogmas, FSP

 20.fev.2025 às 10h00

Jacob Pinheiro Goldberg

Doutor em psicologia, advogado, assistente social e autor de "O Direito no Divã" (ed. Saraiva)

[RESUMO] O autor sustenta que a humanidade oscila entre ilusões e desilusões, repetindo erros do passado sob novas roupagens. Critica dogmas, sejam religiosos, políticos ou tecnológicos, alerta para o risco de discursos que eliminam a incerteza e defende a singularidade do humano frente à inteligência artificial.

No enterro de FreudErnest Jones disse que "se alguma vez um homem pudesse dizer ter conquistado a morte e continuado a viver apesar do Rei dos Terrores, o qual não era nenhum terror para ele, esse homem era Freud".

Eis que o conflito existencial se repete: Eros contra Tânatos, a vida contra a morte. Nos labirintos da história, há momentos em que a angústia coletiva se encarna em figuras emblemáticas. Quando Tancredo Neves morreu, tentei traduzir o sentimento da época ao afirmar: "Somos todos Tancredos". Não era apenas uma frase, mas a expressão da resiliência de um povo habituado à tragédia e à incerteza.

A imagem mostra um homem com um boné que diz 'MAKE AMERICA GREAT AGAIN' em primeiro plano, observando um homem de cabelo loiro sentado à sua frente. O ambiente é o Salão Oval, com cortinas amarelas ao fundo e uma janela que deixa entrar luz natural.
Elon Musk, chefe do Departamento de Eficiência Governamental do governo de Donald Trump, ouve o presidente dos EUA em Washington - Kevin Lamarque - 11.fev.25/Reuters

Se tentamos adivinhar o futuro, interpretar o passado e atuar no presente, precisamos evitar as armadilhas da linguagem que os tempos nos impõem. O discurso contemporâneo recicla velhas ilusões e sustenta novos dogmas com a mesma convicção daqueles que queimavam hereges. Enquanto filósofos denunciam a aceleração moderna e pregam o desaceleramento, políticos inflam multidões com discursos paranoicos, evocando revoluções e guerras como se a única resposta à angústia fosse destruir o outro.

Nessa vertigem de opostos, registro meu pensamento na velha Olivetti que meu pai me deu aos 13 anos. Entre o ruído da modernidade e o silêncio da introspecção, tento captar a essência de um tempo que oscila entre promessas utópicas e pesadelos distópicos. Mas será que aprendemos com o passado ou apenas repetimos suas ilusões com novas roupagens?

O século 20 começou com sonhos coletivos e promessas de justiça, mas testemunhou ideologias massificadoras esmagarem subjetividades. Em nome da razão, cometeram-se irracionalidades. Em nome de Deus, justificaram-se massacres. O fundamentalista, de qualquer vertente, se agarra a dogmas para negar a incerteza da existência. No caos, ele se apega a discursos previsíveis, repetindo fórmulas vazias como se fossem mantras de salvação.

pandemia escancarou essa fragilidade, revirando a humanidade de cabeça para baixo. Alterou parâmetros de saúde, questionou certezas jurídicas e expôs a precariedade do pacto social. Durante esse período, muitos perceberam que o mundo repousa sobre um consenso ilusório. As oligarquias, que se julgavam eternas, descobriram que sua imortalidade era um reflexo fugaz no espelho da história. O que parecia sólido desmoronou, e o futuro, antes previsível, tornou-se um abismo de incertezas.

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tecnologia se impôs como nova divindade. As redes digitais, que ampliaram horizontes, tornaram-se prisões invisíveis, onde algoritmos ditam o que devemos pensar, consumir e sentir. Se antes os inquisidores impunham sua visão de mundo pelo fogo, hoje o controle se exerce pela curadoria invisível da informação. A inteligência artificial, essa entidade abstrata, promete substituir o humano, mas jamais conseguirá suplantar a singularidade da subjetividade. Ferramenta, sim. Deus, jamais.

Durante a ditadura militar, um presidente proferiu que ninguém é insubstituível. No dia seguinte, refutei essa falácia: ninguém substitui nossa mãe, nosso filho, nosso semelhante. A dignidade humana reside na irrepetibilidade. Podemos substituir cargos, mas não presenças. Podemos replicar funções, mas não essência.

Mas contestar essa lógica teve seu preço. Em tempos de repressão, toda voz dissonante era silenciada. Advertências veladas, convites ao silêncio obsequioso —o Estado, com seu olhar orwelliano, estava sempre à espreita. No entanto, até o mais sutil dos murmúrios marca a trajetória humana. A verdadeira utopia não se encontra na geografia, mas no espírito sem fronteiras que habita a liberdade.

O passado aprisiona, mas o viajante do futuro precisa seguir adiante. O caminho não está pronto —ele se faz ao caminhar. Oscilamos entre o abismo e a plenitude, entre o horror do vazio e a sublimação da beleza. A estética, por vezes, assume o lugar da fé, como se a arte pudesse ser um novo templo. Mas, se há um deus a ser reconhecido, não é aquele esculpido em dogmas petrificados. É o que emerge do diálogo entre o inconsciente e a consciência, na ética da compaixão que transcende códigos e escrituras.

Eva será deus, a evolução do hominídeo a mais do que um anjo. Será a representação da evolução do humano, não como autômato, mas como entidade capaz de integrar razão e sensibilidade, instinto e transcendência. Religiões e ideologias se reconfiguram ao longo dos séculos, mas a grande questão persiste: como evitar que a Torre de Babel se transforme no apocalipse autofágico? Como impedir que a busca por respostas leve à destruição do próprio perguntar?

A palavra, quando verdadeira, liberta. Quando corrompida, destrói. A catarse cura. A letra falsa mata.

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