sábado, 8 de fevereiro de 2025

Governo de alma sem corpo encara o público, Muniz Sodré, FSP (definitivo)

 Despertando na metade do mandato com a palavra comunicação na cabeça, Lula trocou de secretários, Pimenta por Sidônio. Nome com pedigree latino: Caius Sollis Modestus Apollinaris Sidonius foi genro de imperador, bispo, poeta e diplomata competente. Este último atributo é sugestivo para o recém-chegado, pois qualquer tarefa pública demanda hoje jogo de dentro com as cascavéis do entorno partidário e jogo de fora, estilo Garrincha, para driblar a mentira institucionalizada. Duas manhas familiares à capoeira.

Sidônio Palmeira fala em entrevista coletiva após assumir cargo de ministro da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) - Gabriela Biló - 14.jan.25/Folhapress

Baiano, Sidônio pode até ser esperto em ambas. Mas a comunicação pós-analógica não tem nada a ver com lero-lero diplomático nem com informação verdadeira. Tem a ver com crença. E o que se transforma em convicção não é a qualidade das proposições, mas a solidez do sistema em que aparecem. A força da convicção pode ser maior que a da verdade.

O primeiro meio-ambiente do indivíduo é a própria mente, mas essa "morada" primeira é condicionada por um comum inerente ao meio vital. Aprende-se por confiança na autoridade das fontes (pais, professores). Só que a rede eletrônica cria hoje um meio (vital?) em que algoritmos autônomos abrem caminho para discursos subterrâneos incontroláveis.

Daí uma realidade separada, com lógica e linguagem próprias, sem referências objetivas e sem compromisso com verdade. Nada impede que o falseamento se converta em objeto de desejo, não tanto como mentira deliberada, mas como "psitacismo" ou fala de papagaio, mera repetição do que se ouve. Isso que neoliberais e adictos de redes sociais confundem com liberdade de expressão.

Não erra quem diz que essa é uma visão acadêmica. De fato, se trata de conhecimento familiar a pesquisadores da era pós-analógica. Comunicação sempre foi encontro simbólico de duas partes, portanto, diálogo radical, e não transmissão unilateral de conteúdos de um polo a outro. Voltada para estruturas político-econômicas e velhas utopias, a esquerda jurássica confundiu comunicação com propaganda, desconhecendo sua função, que hoje atende à lógica das sensações, e não dos argumentos. Perdeu o rumo sob o capitalismo financeiro, com a digitalização dos meios vitais. Não que a direita tenha entendido, mas aproveitou: a ignorância torna-se douta à sombra da arrogância dos pretensos donos da verdade.

Assim, dúvidas razoáveis sobre a nova empreitada. O governo tem alma, mas velha, já sem corpo. Sidônio aperfeiçoaria a informação, tirando ministérios da conveniente letargia, falando para além da bolha. Para isso, uma campanha de mobilização democrática nesse instante de realinhamento ou esfacelamento da direita. Com discurso sincero e boa diplomacia, a verdade se mostraria. Analógica, claro. Os epígonos de Caius Sidonius aplaudiriam.

Mas será que a questão é só de bem comunicar? De apenas evitar falhas como a do Pix? Se for, Sidônio, na Idade Média como na Mídia, o que se exige de uma comunicação sensível para as massas é pão, segurança, circo e uma cara (um foco visível), que o governo não tem. E dificilmente terá enquanto refém emparedado pela máquina parasitária de "unidades orçamentárias" (em vez de representantes do povo) chamada centrão, cuja estratégia é a não comunicação, o silêncio da caverna de Ali-Babá.

Nenhum comentário: