Nesta semana, o ministro da Fazenda afirmou que "temos uma inflação em torno de 4% e 5%, que é uma inflação relativamente normal para o Brasil desde o Plano Real".
Nada demais se a frase fosse dita por um comentarista qualquer. Porém, quando sai da boca do ministro da Fazenda, ela é mais um passo no desmonte do Plano Real.
Como sabemos, em 1999 a estabilidade monetária consolidou-se com a instituição do tripé macroeconômico: superávits primários capazes de conter o crescimento da dívida pública, metas de inflação e câmbio flutuante.
A frase do ministro desqualifica o sistema de metas de inflação. A meta estabelecida pelo Conselho Monetário, que o próprio ministro preside, é de 3% a.a., com margem de tolerância de até 4,5%. Mas, em sua avaliação, se for até 5%, tudo bem, não tem problema, "é normal".
Isso dificulta enormemente o trabalho do Banco Central para convencer a sociedade de que ele fará o que for possível para conduzir a inflação à meta. Mesmo considerando a autonomia do BC, as palavras do ministro geram dúvida sobre a real convicção do BC para perseguir a meta.
O governo vem minando outra perna do tripé, os "superávits primários", injetando demanda na economia e dificultando o trabalho do BC. A dívida tem crescido e os poupadores preferem títulos indexados à Selic, o que faz com que as elevações de juros pelo BC, para tentar atingir a meta de inflação, impactem diretamente a dívida pública. O custo da política monetária vai ficando cada vez maior, e sua eficácia, menor. Se a política fiscal não mudar, chegará uma hora em que o BC jogará a toalha.
Não é de hoje que os governos do PT desprezam a importância de fazer superávits primários. Estimativas da própria gestão atual do Ministério da Fazenda mostram uma contínua queda do superávit estrutural (aquele que limpa a influência de fatores cíclicos e temporários) de 2004 até 2014.
Em coluna anterior, mostrei que o resultado fiscal de 2024 foi tão ruim quanto o de 2023. Em 2025 não será difícil para o Governo Federal cumprir a meta de déficit primário. Mas isso terá pouca importância, porque a meta é frouxa e pouco ajudará a controlar o crescimento da dívida pública.
A meta é de déficit zero, mas com uma margem de tolerância de 0,25% do PIB. Ademais, serão excluídos da conta 0,35% do PIB em precatórios a pagar e 0,11% do PIB do Programa Pé-de-Meia, que continuará a ser executado por fora do Orçamento. Ainda poderão ser abertos créditos extraordinários para lidar com calamidades e questões climáticas, sem contar para a meta.
O governo "cumprirá a meta" mesmo com um déficit entre 0,7% e 0,8% do PIB, quando precisamos de superávits robustos para segurar o crescimento da dívida.
A terceira perna do tripé tampouco escapa de ameaças. Ao final do ano passado, a eleição de Trump e o desencanto com o pacote fiscal geraram grande desvalorização do real. O BC interveio seguidas vezes no câmbio, alegando questões técnicas e dificuldades temporárias no mercado. Os volumes negociados, contudo, foram elevados e trouxeram de volta ao cotidiano as tentativas da autoridade monetária de influenciar o câmbio.
No momento, com o refluxo da cotação do dólar, principalmente pelas ações inicialmente menos contundentes do governo Trump, cessaram as intervenções do BC. Nada impede, contudo, que a fragilidade das duas outras pernas do tripé leve a novas desvalorizações e ao retorno do BC à tentativa de segurar a taxa de câmbio.
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