sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Betty Milan - Perguntas que não querem calar, FSP

 Betty Milan

Escritora e psicanalista, é membro da Academia Paulista de Letras

O Brasil perdeu em quatro anos 7 milhões de leitores. Ninguém ignora que o país faz pouco dos seus autores. Os exemplos se multiplicam. Vou me debruçar sobre um caso atual.

Tendo em vista a universalidade da literatura de Stefan Zweig e o seu espírito humanista, a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, inaugurou em dezembro do ano passado uma exposição sobre o autor reunindo fotos, documentos, objetos e livros.

O escritor austríaco Stefan Zweig e sua mulher, Charlotte Altmann - Divulgação


Zweig foi um romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo austríaco de origem judaica. De 1920 até a sua morte, em 1942, foi um dos escritores mais famosos de todo o planeta. No ano de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, para escapar da barbárie nazista o escritor se exilou com a mulher, Lotte, em Petrópolis (RJ). Lá ele escreveu "Brasil, um País do Futuro", que, segundo o seu biógrafo, Alberto Dines, é um "caso único de livro convertido em epíteto nacional", recebido no exterior como uma verdadeira revelação. Apesar de viver no contexto de uma ditadura —a de Getúlio Vargas—, o escritor viu no Brasil o que ele tem de maravilhoso e fez vários lançamentos da obra.

Mas, em 1942, foi encontrado morto com a esposa na casa onde moravam. Tratou-se, segundo os biógrafos, de um duplo suicídio com barbitúrico. O ponto de vista do romancista Deonísio da Silva, autor de "Stefan Zweig Deve Morrer" , é outro. Tratou-se, para ele, de um assassinato. O casal teria sido executado por um comando nazista vindo da Argentina especialmente para isso. Com base nas lacunas e contradições das biografias, Deonísio da Silva escreveu um romance que obriga a questionar a história oficial.

O escritor Stefan Zweig em Ossining, perto de Nova York - Suse Hoeller/Divulgação

"Stefan Zweig Deve Morrer" foi continuamente reeditado, traduzido e adaptado para o teatro. Por que este livro tão atual, por ser uma reflexão sobre o destino do escritor em tempos de crise e a luta dele para sobreviver em meio ao caos, não figura na exposição da Biblioteca Nacional? Ou porque os romancistas brasileiros não são levados a sério ou porque a tese do suicídio é melhor para a imagem do país.

Getúlio Vargas, cuja simpatia pelo nazismo está mais do que provada, proibiu a autópsia, e rabinos pediram para enterrar o casal Zweig em um cemitério judaico. Como os judeus não enterram suicidas em seus cemitérios, o pedido dos rabinos desqualifica a versão oficial. Cabe perguntar o que eles sabiam e por que não foi aberto um inquérito para esclarecer os fatos. Dois mortos, marido e mulher, numa mesma noite e numa mesma casa…

São perguntas que não querem calar. Sobretudo agora, depois do filme "Ainda Estou Aqui", que exige a revelação da verdade sobre o nosso passado.

Deonísio da Silva foi o primeiro a sustentar num livro a ideia do assassinato. Contudo, antes dele, num seminário no ano de 2000, na USP, o psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg e a teórica da literatura Marília Librandi já haviam falado da execução dos Zweig pelos nazistas com a cumplicidade do governo brasileiro.

O livro "Stefan Zweig Deve Morrer" não só deveria ser incluído na exposição da Biblioteca Nacional como poderia ser adaptado para o cinema a fim de questionar a ditadura e os seus efeitos, entre eles o do encobrimento da verdade.

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