sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Mortes: Filósofo, aprendeu com dois pais e uma mãe o valor das diferenças, FSP

 O filósofo Vinícius Berlendis de Figueiredo, conhecido como habilidoso meio-campista nas partidas de futebol entre amigos, certa vez teve um ataque cardíaco no meio de um jogo. Tinha cerca de 50 anos.

A caminho do hospital, ainda consciente, avisou Tom de Figueiredo e Eduardo de Carvalho sobre a emergência. Quando acordou na cama da enfermaria, deu de cara com os dois senhores de cabelos brancos e os apresentou aos médicos e enfermeiras: "Esses são meus pais".

Percebendo que havia confundido a equipe médica, induzindo-os a pensar que se tratava de um casal, Vinícius insistiu na piada dizendo algo como: "Você sabe, na época deles isso não era tão comum".

Um homem com cabelo grisalho e barba, usando óculos e uma jaqueta escura, está sorrindo enquanto olha para o lado. O fundo é desfocado, com uma parede clara e algumas luzes decorativas visíveis.
Vinícius Berlendis de Figueiredo (1965 - 2025) - Arquivo pessoal

Figueiredo era seu pai biológico e Carvalho havia se tornado formalmente seu padrasto décadas antes, ao se casar com sua mãe, Donatella Berlendis. O filho não fazia essa distinção, dizia sempre que tinha dois pais.

Criado em duas casas e em duas capitais ao longo da infância, Vinícius aprendeu com as diferenças ao longo da vida. Tornou-se uma referência no campo da filosofia brasileira e distinguia-se pela capacidade de mediação e o respeito por opiniões divergentes.

Nasceu em São Paulo e viveu a maior parte da infância no Rio de Janeiro. Voltou à capital paulista na adolescência para fazer o ensino médio na escola Sagarana, onde se apaixonou pelo pensamento crítico.

Antes de entrar na faculdade, morou por um breve período na Itália. A conexão da mãe com arqueólogos italianos lhe rendeu nessa época uma estadia no Monte Palatino, uma das áreas mais antigas de Roma e cenário do mito de fundação da cidade milenar.

Durante a graduação em filosofia na USP, conheceu Bel Limongi, com quem se casou e teve dois filhos. Na década de 1990, Vinícius e Bel foram aprovados em concurso para professores no Departamento de Filosofia da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e mudaram-se para Curitiba. Ali, promoveram o que os colegas consideram uma refundação do curso, introduzindo discussões mais contemporâneas e a inauguração de um doutorado.

A presença da filosofia além do meio acadêmico —para que chegasse às salas de aula do ensino médio, às artes, à imprensa— era uma das principais preocupações de Vinícius e o guiou na presidência da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia, de 2011 a 2012. Foi um dos fundadores da Sociedade Kant Brasileira, que também presidiu, mas seu trabalho transcendia as fronteiras do estudo do pensamento de Immanuel Kant, pelo qual era reconhecido.

Em seu último livro, "A Paixão da Igualdade", uma genealogia do ideal francês da igualdade, ele articula especialmente essa habilidade ao aliar a historiografia à análise de pinturas, peças de teatro e outras obras de arte. Sua intenção era tornar-se cada vez mais dedicado a ensaios multidisciplinares.

Um amigo definiu um traço marcante de sua personalidade como o "humor dialético": era mal-humorado e sabia disso, então tentava calibrar o juízo. Fazia graça com o próprio mau humor. Era dedicado, detalhista e generoso na orientação aos alunos.

Vinícius morreu em 29 de janeiro por complicações de uma fibrose pulmonar, deixando cinco irmãos, o pai Eduardo de Carvalho, os filhos Laura e Francisco, a ex-mulher Bel Limongi, a namorada Geslline Giovana Braga e incontáveis amigos.

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