Foram dias divertidos. Donald Trump começou impondo tarifas de 25% ao Canadá e ao México. Os mercados financeiros não gostaram.
O Donald, talvez espantado, suspendeu as tarifas porque os países vizinhos prometeram controlar melhor as fronteiras e combater o tráfico de drogas.
Eis as perguntas: fronteiras? Drogas? A ideia não era ter uma balança comercial mais equilibrada?
Talvez sim, talvez não. Quem sabe? O protecionismo econômico de Trump pode não ser uma questão de princípio inabalável.
Há quem deplore esse oportunismo. Para mim, é música celestial. Seria bem pior se ele fosse um ideólogo convicto.
Desconfio que não seja. Nunca foi. Aliás, depois da novela com as tarifas, limpei o pó ao seu "The Art of the Deal" e, com olhos mais apurados, reli o livro.
Confirmo. É a obra mais importante para entender aquela cabeça. Pouco importa que ele não a tenha escrito (foi o jornalista Tony Schwartz). O que interessa é que a "arte do negócio" de Trump não se alterou no essencial.
Para começar, Trump representa o oposto da lição liberal clássica. "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar", escreveu Adam Smith em "A Riqueza das Nações", "mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse".
O Donald não quer saber do interesse dos outros na primeira fase. Só do interesse dele. No início da negociação, é preciso jogar sobre a mesa exigências desmesuradas, a um pequeno passo do delírio ou da extorsão.
A lógica é impoluta: quanto mais delirante for a exigência, maior será a possibilidade de um acordo realista, mas sempre vantajoso para o Donald. Perante a hipótese de ficar sem os dois braços, o adversário até aceita perder só um.
Em segundo lugar, nunca mostrar verdadeiro interesse no negócio. É só mais um entre vários. Isso explica o tom blasé, quase desprendido, com que Trump propõe as maiores inanidades.
"A pior coisa que você pode fazer em uma negociação é parecer desesperado para fechá-la", escreve ele no livro. "Isso faz o outro cara sentir cheiro de sangue e então você está morto."
Depois, é preciso mostrar imprevisibilidade em todo processo. Essa imprevisibilidade pode implicar exigências de última hora, capazes de sabotar o negócio.
Como explicar essa atitude aparentemente suicida?
Uma vez mais, a lógica é impoluta: quando o outro lado já investiu bastante numa negociação difícil, a última coisa que deseja é um fracasso. Exigências de última hora serão mais bem toleradas por um adversário desgastado.
Finalmente, há negócios que não se realizam mesmo. Neste caso, é preciso ter uma saída vitoriosa, ou aparentemente vitoriosa. Exemplo: os mercados financeiros afundaram com as tarifas? Não. O Canadá e o México concordaram em fazer mais nas fronteiras.
E quem fala em tarifas fala da proposta de Trump para Gaza. Uma Riviera no Oriente Médio e dois milhões de palestinos expulsos do território?
É preciso rir para não chorar. Mas há método nessa loucura: em 2020, quando Trump apresentou o seu plano para a paz, ele manteve-se dentro do figurino dos "dois Estados".
Fato: os palestinos jamais aceitariam 70% de uma Cisjordânia retalhada, muito menos a perda definitiva de Jerusalém. O próprio Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, declarou que não ficaria na história como o líder árabe que vendeu a cidade santa.
Agora, Trump não perdeu tempo com o paradigma dos dois Estados, talvez por suspeitar de que não haverá Estado palestino enquanto o Hamas existir.
Partiu direto para a ameaça negocial: fazer de Gaza um balneário, e o Estado palestino que se dane.
Será para levar a sério?
Não creio. Ocupar Gaza implicaria envolver tropas americanas no terreno. Uma nova repetição do Iraque ou do Afeganistão, dois pesadelos que Trump sempre condenou.
A ideia, suspeito, é obrigar os palestinos moderados e os Estados árabes a confrontarem-se com o pior cenário, na esperança de aceitarem o que foi recusado em 2020.
Moral da história?
Reagir às primeiras propostas de Trump é fazer o jogo dele, amplificando a sua posição negocial. Também vem no livro. "De um ponto de vista puramente comercial, as vantagens de ser objeto de uma notícia ultrapassam de longe os inconvenientes".
Tradução: boa imprensa é ótimo, mas má imprensa pode ser ainda melhor.
Por mais que isso custe ao auditório, talvez o caminho seja não seguir o primeiro impulso com as jogadas de Trump. Como lembrava Talleyrand, o problema dos primeiros impulsos é serem sempre generosos.
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