Me arrisco a dizer que os "amores quase" estão entre os mais desafiadores de superar. Um "amor quase" não é um "quase amor" — pelo contrário, é um amor inteiro, que chega como Caetano sussurrando nos nossos ouvidos: "Sem correr, bem devagar, a felicidade voltou pra mim". Eles trazem para o ordinário uma camada de extraordinário, uma sensação de intimidade súbita, um arrebatamento que contagia a vida de sentido. O imprevisível nos seduz: de repente, descobrimos que não controlamos nada e que o amor pode surgir mesmo em tempos de hiperindividualismo e descompromisso.
Sentimo-nos como se tivéssemos encontrado um portal para outra dimensão de vínculos. "A vida presta!", pensamos, vivendo nosso momento Fernanda Torres. Mas então, de repente, não mais que de repente… os laços afrouxam. Desencontros, timings errados, palavras não ditas. Um amor abortado no início do que pensávamos ser uma gestação promissora (seria mesmo?).
O perverso dos "amores quase" é que eles ficam em suspensão exatamente no auge, no instante em que acreditávamos que voaríamos juntos, confortáveis, cúmplices. Como não vivemos o suficiente com essas pessoas, a competição com os amores vividos é sempre desleal: a história parou antes dos barracos, do desgaste, do desamor. O "quase" carrega a nostalgia do que poderia ter sido e nos alimenta com seus momentos de trocas de intensidade para que tenhamos certeza de que não foi miragem. Talvez só precisemos de tempo. "O sol há de brilhar mais uma vez."
"O real é o possível endurecido", diz Juliano Garcia Peña Pessanha. E, em tempos duros, a fantasia se torna refúgio. Mantemos um baú do tesouro no coração, guardando memórias como chaves que, quem sabe um dia, reabrirão o portal para outra realidade. Estamos resistindo ou nos iludindo?
Curioso perceber que reclamamos do afastamento silencioso, mas nos alimentamos dele. Enquanto não houver um ponto final, ainda podemos fantasiar com um recomeço. E talvez mais do que a pessoa, queremos mesmo é uma relação séria com nossa idealização. Assim, a saudade nos faz companhia — e cultivá-la é manter-se próximo do amado, ou melhor, da nossa versão editada dele. É também uma maneira de dizer para nós e para o mundo: foi breve, mas foi significativo. Como se o tempo da espera e do amor reforçasse a intensidade do vínculo.
Para não encararmos nossos vazios e um presente esvaziado de vínculos e sentidos, preenchemos a vida de esperança rumo a um futuro feliz. Me lembro de Natalia Timerman em "Copo Vazio": "Ele escapou. Mas e se voltasse? Estaria de fato feliz com ele? Perderia a busca".
Gostávamos da pessoa ou da experiência de gostar dela? A psicanálise sugere que, ao nos apaixonarmos, o que está em jogo não é o outro, mas como nos sentimos ao lado dele. Freud discute o amor como uma forma de narcisismo: amamos no outro o que idealizamos ou reconhecemos como parte de nós. Assim, o amor pode ser uma tentativa de completar algo que nos falta. E talvez esse seja o ponto mais cruel dos "amores quase": não sabemos se sentimos falta do outro ou do que ele nos fazia sentir. O amor não realizado tem um brilho que o amor vivido raramente sustenta. E, por isso, permanece.
Não decidimos desistir para não perder. Mas estamos perdendo ao nos manter em suspensão. A dificuldade de abrir mão da fantasia esconde o medo de viver possibilidades reais, incompletas, faltantes.
Mas, antes de superar, precisamos validar esses amores. Sim, eles existiram. Sim, nos atravessaram e são dignos de luto. Chore o fim dos amores abortados, ainda que tenham durado dois encontros ou dois meses. A intensidade do luto não é proporcional ao tempo da história. Vele os sonhos, crie um altar simbólico, faça um ritual de despedida. Há que se honrar os "quases". A história foi linda no tamanho que teve, e talvez seja hora de entender que vivemos um amor "curta-metragem", e não a primeira temporada de uma série romântica.
E entenda: renunciar à espera desse "quase" não é jogar fora as chaves do tal portal. É reconhecer que esses amores quase nos presentearam como lanternas, iluminando traços em nós que há muito não víamos. Ele se foi, mas você fica com sua expansão linda da capacidade de amar, se apaixonar, se entregar, relembrar.
Que possamos encarar nossos vazios e os vestígios desses amores com menos medo. Com doçura, carinho, honrando o que foi, mas nos permitindo seguir adiante.
Se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love . Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário