terça-feira, 11 de janeiro de 2022

A falsa polêmica da carne, Ilona Szabó de Carvalho, FSP

 Independente de consumir ou não carne bovina, é do interesse de todos saber a procedência exata da proteína. Mundo afora a decisão de comer ou não carne animal passa pelo preço, por crenças religiosas e espirituais, por convicções sobre bem-estar animal, e cada vez mais pela preocupação sobre sua procedência e relação com o clima do planeta.

E isto está mais do que correto. Pensar que em pleno ano de 2022 ainda não temos informações completas sobre a origem de produtos de base animal e vegetal, prestadas de forma transparente por todos os produtores e indústrias é, no mínimo, frustrante.

Carnes à venda em açougue
Carnes à venda em açougue no bairro Jardins, em São Paulo (SP) - Eduardo Knapp - 28.nov.10/Folhapress

No caso específico da carne bovina produzida no Brasil, parte da cadeia produtiva está relacionada a áreas desmatadas e griladas. A falta de rastreabilidade e transparência total dessa cadeia, impede que possamos diferenciar os produtores que cometem ilegalidades, dos que cumprem as leis. Da mesma forma, dificulta a identificação dos que adotam boas práticas de manejo de pasto, alimentação e abate, reduzindo as emissões de metano —um dos gases geradores do efeito estufa e das mudanças climáticas.

Apesar de ainda não ser um debate muito difundido no Brasil, a discussão já é realidade pulsante em algumas faixas etárias, em especial nas gerações Z e millennials. Esse fato traz oportunidades que não podem ser desperdiçadas, seja pelo governo à luz de compromissos internacionais de desmatamento-zero recém assumidos pelo país na COP26, seja por empresas e investidores para garantir mercado e investimentos em inovações da área.

Ignorar a relevância desse debate é um equívoco, seja da parte de pecuaristas, de investidores ou das gerações de consumidores que ainda não escolhem os produtos que compram com base nas condutas éticas das empresas.

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Pecuaristas que não se adequarem às boas práticas de produção sustentável, e à estrita conformidade legal, podem perder tanto o mercado externo como o interno, além de eventualmente verem-se responsabilizados por práticas ilícitas que nunca foram parte de seus objetivos de negócio.

Investidores, por sua vez, não só deixam de cumprir métricas ESG, como podem deixar escapar oportunidades de investimento em produtores carbono-neutros e em inovações de empresas que produzem carne de base vegetal, e que desenvolvem carnes em laboratórios.

E os consumidores, por fim, deixam de exercer seu poder de incentivar a produção eficiente de proteína animal, de baixo impacto ambiental e climático, e de valorizar os produtores alinhados com a proteção da natureza.

A boa notícia é que não faltam bons exemplos. O Brasil já exporta carne rastreável e livre de desmatamento para a União Europeia e outros mercados que assim exigem, e já conta com produtores de vanguarda que desenvolvem um modelo de pecuária sustentável, mas que ainda competem de forma desigual por mercado com seus pares que não cumprem a lei.

O ano de 2021 foi repleto de posicionamentos públicos de grandes bancos e fundos de investimento sobre o assunto, bem como de compromissos dos grandes frigoríficos com o maior controle sobre seus fornecedores, e de anúncios sobre seus novos investimentos no mercado de carne vegetal.

Em meio a falsas polêmicas, há uma oportunidade real de impulsionar a capacidade de inovação do agronegócio brasileiro. Com compromissos e exemplos práticos, todos os elos das cadeias produtivas —desde o financiador, a agroindústria, até o pequeno produtor, podem direcionar investimento para práticas e tecnologias sustentáveis, transparentes e alinhadas com as regulações ambientais.


Hidrogênio azul nas plataformas do pré-sal da Bacia de Santos, EPBR

 Estudos que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) deve lançar nos próximos dias vão levantar a possibilidade de instalação de plantas de produção de hidrogênio azul em plataformas offshore já existentes no pré-sal da Bacia de Santos.

  • Dessa forma, o CO2 emitido no processo seria capturado e injetado nos reservatórios, tal qual é feito hoje com o gás natural.
  • “Estão sendo feitos estudos ainda para injeção de CO2, porque já temos a tecnologia pronta para injetar o gás natural nos reservatórios. É um gás mais ácido que o natural, mas estudos apontam essa possibilidade”, explica a analista Claudia Bonelli, que participou da elaboração da nota. 
agência epbr conversou com a equipe da EPE responsável pela elaboração dos estudos, comandada pela diretora de Estudos de Petróleo e Gás, Heloisa Borges.
  • Os estudos vão mostrar que o Hidrogênio pode ser rota para gás natural na transição energética
  • Vão trazer as perspectivas para produção de três cores de hidrogênio no país: o cinza – produzido a partir da reforma a vapor do gás natural com emissão de carbono na atmosfera –, o azul – mesmo processo, porém com captura e armazenamento do CO2 (CCS) emitido – e o turquesa – obtido a partir da pirólise do gás natural, gerando carbono sólido, uma espécie de coque que pode ser reaproveitado em processos industriais.
Outro estudo de caso demonstrará a produção de hidrogênio azul onshore, em que o CO2 capturado seria transportado até a região do pré-sal para injeção nos reservatórios.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Entenda o que o churrasco no Bradesco revela sobre as publicidades ESG, FSP

 Thiago Bethônico

BELO HORIZONTE

Um vídeo sugerindo a redução no consumo de carne deveria ajudar o Bradesco a divulgar seu aplicativo que calcula pegadas de carbono, mas acabou com um pedido de retratação e pelo menos cinco churrascos organizados por pecuaristas em frente às agências do banco.

Para especialistas, o caso ajuda a entender alguns erros cometidos por empresas que buscam se posicionar como sustentáveis, e joga luz sobre a relação entre publicidade e ESG (sigla para boas práticas ambientais, sociais e de governança).

O episódio começou há cerca de duas semanas, com um vídeo que circulou nas redes sociais. Nele, três influenciadoras dão dicas de como ter hábitos mais sustentáveis e recomendam a adesão ao movimento conhecido como "Segunda sem Carne".

De roupas brancas, três mulheres aparecem em vídeo do Bradesco, sugerindo reduzir consumo de carne
Em vídeo do Bradesco, influenciadoras sugerem reduzir consumo de carne - @JoseMedeirosMT no Twitter

"A criação de gado contribui para a emissão dos gases de efeito estufa, então, que tal se a gente reduzir o nosso consumo de carne e escolher um prato vegetariano na segunda-feira?", diz uma das influenciadoras. No final do vídeo, elas divulgam o aplicativo do Bradesco.

O material publicitário irritou alguns representantes ruralistas, o que levou o banco a retirar o vídeo do ar e a escrever uma carta aberta se retratando.

"Vimos uma posição descabida de influenciadores digitais em relação ao consumo de carne bovina, associadas à nossa marca. Importante dizer que tal posição não representa a visão desta casa em relação ao consumo da carne bovina", diz a carta.

Para Fábio Alperowitch, fundador da Fama Investimentos, gestora de fundos com foco em ESG, o episódio diz muito sobre o atual cenário corporativo do Brasil.

"As empresas, em geral, defendem essa pauta [sustentável] até o momento em que não prejudiquem seus negócios. Então vira uma pauta enfraquecida", afirma.

Na visão dele, quando o banco lança uma peça estimulando um dia sem carne e depois vem a público dizer ser contra isso, acaba estimulando a percepção de que a sustentabilidade ainda está mais no marketing do que na prática.

"O que acabou falando mais alto é o lado de mercado. É muito emblemático o recuo do Bradesco", diz.

Procurado para comentar, o Bradesco disse que não se manifestaria sobre o assunto.

Em nota publicada no último dia 31, a instituição afirmou ser o maior banco privado do agronegócio, setor que é considerado um dos mais importantes da economia brasileira.

De acordo com um estudo da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), em parceria com o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), o Produto Interno Bruto do agro representou 26,6% do PIB brasileiro em 2020.

As instituições projetam que o valor bruto da produção agropecuária chegue a R$ 1,25 trilhão em 2022.

Para Vanessa Pinsky, pesquisadora da USP e especialista em ESG, o caso aponta para uma desconexão entre a campanha de marketing e a estratégia de mercado do Bradesco.

"O agronegócio é um dos principais setores do banco em termos de lucratividade, potencial e volume", afirma. "Uma mensagem que tenha um conteúdo positivo de consumo consciente, mas confronte esse setor, não é uma boa estratégia", acrescenta.

Na visão dela, uma das principais lições do episódio é a importância da coerência entre os negócios de uma companhia e a comunicação sobre sustentabilidade.

"É preciso haver um diálogo estreito entre as estratégias de negócio, de ESG e de marketing. Se esses três pilares não conversarem de maneira sinérgica, uma organização pode ter problemas reputacionais", diz.

AGRO DIZ SER SUSTENTÁVEL, MAS EMISSÕES SÃO ALTAS

As críticas dos pecuaristas ao vídeo das influenciadoras diziam, entre outras coisas, que a mensagem difama o agronegócio.

Após o lançamento do material, o Imac (Instituto Mato-Grossense da Carne) divulgou uma nota dizendo que a pecuária brasileira é realizada de forma natural, utilizando pastagem como principal insumo, o que sequestra os gases da atmosfera e contribui positivamente para o balanço de carbono da atividade.

De acordo com o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), braço do Observatório do Clima, o agro é a segunda atividade que mais emite gases de efeito estufa do Brasil, respondendo por 27% do total.

A pecuária responde pela maior parte (65%) das emissões do setor devido à fermentação entérica —o popular "arroto do boi".

"Como nós temos 220 milhões de cabeças de gado, é inevitável que esse rebanho emita tanto, porque faz parte do processo natural de digestão do animal", explica Marina Piatto, diretora-executiva do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola).

Segundo ela, existem formas de diminuir a pegada de carbono do setor sem precisar levantar a questão da redução de consumo —como o uso de piquetes para delimitar a área do gado, o manejo da pastagem, a suplementação animal e o uso de sistemas integrados com lavoura e floresta.

Contudo, não são todos os produtores que conseguem absorver essas tecnologias, o que faz com que as emissões superem as remoções.

"O Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo por causa do nosso rebanho", afirma. "O produtor, em vez de se defender, deveria assumir que o problema existe e pedir ajuda para transformar o sistema produtivo", acrescenta.

PUBLICIDADE ESG PRECISA SER AUTÊNTICA E PROPOSITIVA

A autoria do material publicitário do Bradesco ainda não foi esclarecida. Responsável pela campanha do aplicativo que calcula pegadas de carbono, a Leo Burnett não confirma e nem nega a criação do vídeo com as influenciadoras. Na carta aberta, o banco também procurou se desvincular do conteúdo.

Para Fábio Alperowitch, da Fama, o recuo piora a situação da empresa, que acaba desagradando ambos os lados.

"Foi uma volta de 180º, não houve uma campanha de reesclarecimento ou [que tentasse] trazer o agro para perto sem abandonar o que havia sido defendido", afirma.

Ele lembra que não é a primeira vez que algo assim acontece. Em março de 2021, a Heineken Brasil fez uma publicação sobre o Dia Mundial Sem Carne, comemorado em 20 de março, que também irritou representantes do agro.

Na época, a cervejaria disse que a postagem não desvalorizava nenhum setor da economia e defendeu o direito de escolha dos consumidores.

Ricardo Lordes, diretor-executivo da agência de publicidade Pátria, diz que as companhias estão buscando se posicionar diante da onda ESG.

Na avaliação dele, existe a falsa impressão de que peças publicitárias voltadas para as redes sociais não precisam passar por uma cadeia de aprovação tão rígida como acontece nos meios tradicionais. Isso poderia explicar o que aconteceu no caso do Bradesco.

O diretor não vê o episódio como um indício de desconexão entre estratégia de comunicação e sustentabilidade. "É um erro de implementação de uma peça absolutamente secundária. Se tirar essa peça do ar, tudo que o Bradesco fez não incomodou ninguém", afirma.

Para ele, é importante que as ações publicitárias sejam propositivas. "Não é chegar dizendo que a culpa [dos problemas climáticos] é do agronegócio, mas propor uma forma de o Bradesco ajudar."

Miriam Moura, diretora de curadoria e conteúdo da Oficina Consultoria, diz que a palavra-chave nesse contexto ESG é autenticidade.

"Você precisa falar o que você faz, dizer o que você é. Isso vale para pessoas e principalmente para empresas", afirma.

Segundo ela, tudo que não for autêntico virá à tona —o que pode trazer um custo bem caro. "A gente vive numa sociedade de hiperconexão. É preciso que as empresas e marcas tenham maturidade nesse relacionamento."