terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Cristina Serra - Máquina mortífera no Planalto, FSP

 Enquanto políticos, juristas e analistas em geral discutem se o que Bolsonaro comanda é genocídio, extermínio, mortandade ou carnificina, o criminoso ri da discussão semântica, dobra a aposta e ataca outra vez. Agora, nega vacinas para crianças. O massacre de 620 mil brasileiros nos cemitérios não basta. O vírus pede mais sangue, e Bolsonaro se dispõe a despachar a encomenda.

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde Marcelo Queiroga, durante evento de sanção de projeto de lei que amplia o Teste do Pezinho no SUS, no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde Marcelo Queiroga, durante evento de sanção de projeto de lei que amplia o Teste do Pezinho no SUS, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 26.mai.21/Folhapress

No costumeiro estilo miliciano, ele expande a truculência e parte para cima da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que autorizou a imunização para crianças entre 5 e 11 anos. Até pouco tempo atrás parceiro do delinquente em protesto negacionista e, hoje, ao que parece, distanciado do Planalto, o diretor-presidente da Anvisa, Barra Torres, pediu proteção policial para servidores e diretores da agência, tamanha a gravidade das ameaças.

Não é só a Anvisa que recomenda a imunização para os pequenos. A OMS, países da União Europeia, Estados Unidos e vizinhos aqui na América Latina fazem o mesmo. Mas o Ministério da Saúde é comandado pelo sabujo Marcelo Queiroga, que diz precisar de mais tempo para estudar o assunto e que só irá decidir em janeiro, depois de uma consulta popular. Daqui a pouco vai dizer que a vacinação precisa ser decidida em plebiscito.

Faz sentido. Se não tem impeachment para tirar esses bandidos do poder, eles sentem-se à vontade para lubrificar as engrenagens da máquina mortífera. A Covid mata crianças e também faz delas agentes transmissores do vírus para todos que lhes são próximos. Negar a proteção da vacina é de um grau de perversidade difícil de assimilar, mas o que esperar de alguém que defende a tortura, como Bolsonaro, a não ser podridão humana?

O que ainda impressiona é que nenhuma instituição política e/ou jurídica do país seja capaz de deter esse assassino. Instituições e seus representantes inertes são cúmplices da morte e da naturalização da desgraça que nos assola e nos condena a mais um ano com o genocida no poder.

Os piores momentos da pandemia no Brasil e o impacto da vacinação, Nos Eixos

 


retrospectiva de 2021ver na web


A intensificação da pandemia e sua amenização com a vacinação, as Olimpíadas de Tóquio, a alta nos preços de alimentos e combustíveis no Brasil e as discussões da COP-26.

Os piores momentos da pandemia no Brasil e o impacto da vacinação

O Brasil começou o ano de 2021 com 195 mil mortes por covid-19 ao todo, número que hoje representa menos de um terço do total de óbitos no país. Na época, a vacinação já havia sido iniciada em poucos países fora da Europa, e o Brasil não estava entre eles.

A campanha de vacinação nacional começou no fim de janeiro com a aprovação das vacinas Coronavac e AstraZeneca. Com a demora em fechar contratos, o país ficou para trás na disputa pelas doses e insumos para as vacinas no mercado internacional.

Até o início de março, menos de 10% da população brasileira havia tomado a primeira dose e o país enfrentava grande sobrecarga do sistema de saúde. Naquele mês, a maioria dos estados brasileiros tinham mais de 90% dos leitos para covid-19 ocupados.

Entre março e abril, cerca de 150 mil pessoas morreram por conta da doença no Brasil. Em todo o primeiro semestre foram mais de 300 mil vítimas.

Com a queda na curva de casos e mortes e o avanço da vacinação no país, o cenário melhorou. Em outubro, o Nexo mostrou essa relação em um gráfico.

O que sei eu? É o que pergunta Stefan Zweig antes de mudar o mundo, João Pereira Coutinho, FSP (Pergunta definitiva)

 A melhor coisa do meu ano de 2021 foi ter regressado aos livros de Stefan Zweig. Que estupidez a minha! Li Zweig nos verdes anos e gostei da ficção. O seu "Beware of Pity", salvo melhor opinião, é um dos grandes romances do século 20 e um aviso sério sobre os abismos do "ressentimento", no sentido nietzschiano do termo. Se fosse diretor de cinema, já teria feito a adaptação desse livro para filme.

Já os ensaios, que são o melhor de Zweig, não me impressionaram da mesma forma. Por quê? Sei lá por quê. A estupidez tem razões que a razão desconhece.

Stefan Zweig em Ossinig, perto de Nova York, onde preparou grande parte da autobiografia - Folhapress

Esse ano, regressei a eles. São soberbos e, mais que isso, intemporais. Falam diretamente para o nosso tempo, em parte por terem sido escritos quando Zweig contemplava a derrocada da Europa e o seu próprio naufrágio pessoal, que terminou como terminou em Petrópolis.

Hoje, com novas ansiedades a tomarem conta dos contemporâneos —a pandemia interminável; a sombra de uma guerra na Ucrânia e de outra em Taiwan; o fanatismo ideológico que destroça as democracias ocidentais etc.— os ensaios são objetos de reflexão e consolação. Alguém passou por tudo isso primeiro.

Já falei aqui do retrato que dedicou a Erasmo de Roterdã. Mas é o texto sobre Montaigne que mais me impressionou. É um ensaio de fim de vida, que hoje se lê como se fosse o testamento de Zweig. Também por isso, é uma prosa desencantada, que soa estranha aos nossos ouvidos progressistas.

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A primeira ideia que Zweig desautoriza é a concepção bem moderna de que o progresso é uma estrada com um único sentido. Essa concepção nasceu com o cristianismo e foi depois secularizada pelo o iluminismo continental: a humanidade caminhará sempre para um estado superior de existência; mesmo os seus percalços não passam de acidentes momentâneos, que não mudam o rumo da jornada gloriosa.

Zweig, através de Montaigne, mergulha nos clássicos. Que, obviamente, tinham uma outra concepção de tempo: uma concepção circular, e não linear, segundo a qual tudo é efêmero e regressivo. Democracia?
É apenas a antecâmara da tirania, que depois será suplantada por uma aristocracia iluminada, até cair na timocracia, e depois na oligarquia, até chegar novamente à democracia. Quem pode dizer que Platão estava errado? Sim, quem pode garantir que, depois da trégua, não virá uma nova era de desolação?

Aconteceu. Na Alemanha, nos anos 1930, para desespero de Zweig. E na Europa humanista de Erasmo e de Montaigne, que soçobrou às mãos do fanatismo religioso pós-reformista.

Perante o caos, Montaigne entendeu (tal como Zweig) que o mais importante era salvar a sua liberdade interior, razão pela qual recuou para a famosa torre e para a composição dos seus "Ensaios".

Há autores que nunca lhe perdoaram: em hora de aperto, desertar é uma covardia e uma irresponsabilidade.

Não creio. Quando existe excesso de paixão nos outros, pretender manter a chama da razão, da tolerância e do ceticismo é como tentar parar as ondas do mar com os próprios dedos. Uma missão patética e inglória.

Ilustração representando o busto de um homem de bigode e terno, envolto a setas desenhadas e apontadas para várias direções
Ilustração publicada em 20 de dezembro de 2021 - Angelo Abu

É por isso que os "Ensaios" sobreviveram: porque não tentam mudar os outros, mas apenas mudar um único homem —Michel de Montaigne. Mais ainda: mudá-lo pelo exercício metódico da dúvida.

É um gesto revolucionário: quando existe excesso de dogmatismo, haver alguém que se atreve a perguntar "que sais-je?" ("que sei eu?") ganha os contornos de uma blasfêmia.

Ler Zweig e os seus alter egos, mais que um prazer, é um exercício de imaginação: o que seria do nosso tempo se as pessoas, antes de quererem mudar o mundo, começassem por elas próprias? E o que seria dessas pessoas se, sozinhas e em silêncio, perguntassem pela primeira vez na vida: mas, afinal, o que sei eu?

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P.S. – Semana passada escrevi sobre o tabaco. Leitores mil desabaram sobre o colunista. Como é possível defender o tabaco? Lamento, bom povo. Não defendo o tabaco. Defendo apenas a liberdade de cada um viver e morrer como entende, desde que essa escolha não represente um dano para terceiros. Além disso, e sabendo que os valores são múltiplos, é importante fazer um esforço antiautoritário de imaginar que, para algumas pessoas, o prazer do fumo, do álcool ou de certas comidas pode ser mais importante do que uma vida longa e saudável. Cá está: antes de impor as minhas ideias aos outros, convém tolerar as ideias dos outros.