segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Celso Rocha de Barros -Vale a pena discutirmos Moro presidente, a esta altura do campeonato?, FSP

 Se Sergio Moro tivesse se candidatado a presidente em 2018, teria sido eleito com a maior votação da história. Parece um grande feito até você lembrar quem foi o sujeito que ganhou. O ano de 2018 não foi um pico glorioso na história da inteligência brasileira.

Agora Moro tenta o que Luciano Huck desistiu de fazer: concorrer em 2022 como se fosse 2018. Não é fácil.

O candidato Moro é um time que tem chances de vencer o campeonato, mas não depende dos próprios resultados. Com alguma sorte e habilidade, talvez cruze a linha dos 10% de intenção de voto com o que sobrou de eleitorado lava-jatista e uma parte do ex-bolsonarismo.

Daí em diante, torceria para que ninguém mais decolasse, Bolsonaro despencasse e o voto útil começasse a chegar. Chegando no segundo turno, ainda precisaria que Lula estivesse tão isolado quanto o PT estava em 2018. Nada disso é impossível, mas, para dar certo, os adversários de Moro precisam tropeçar.

O ex-juiz Sérgio Moro é um homem branco, de cabelo preto, que veste terno preto e camisa azul-clara; a foto destaca o busto de Moro, que está diante de um telão azul com estrelas brancas, remetendo à bandeira do Brasil
Sérgio Moro discursa durante cerimônia de filiação ao Podemos, em Brasília - Lucio Tavora/Xinhua

Não estou entre os que acham que, como pessoa, Moro seja tão ruim quanto Bolsonaro. Ninguém é. Bolsonaro é um adorador de Ustra que mente que vacinas causam Aids. Ninguém é tão ruim.

Entendo que haja um segmento do eleitorado que gostaria de tentar de novo a renovação que Bolsonaro matou na origem. Essas pessoas talvez votem em Moro. Mas acho que seria uma má ideia, por dois motivos.

Em primeiro lugar, porque não está claro que Moro tenha se afastado dos riscos autoritários que Bolsonaro trouxe. Setores das Forças Armadas pensam em apoiar Moro.

Eu não quero que as Forças Armadas apoiem ninguém. Eu as quero patrulhando fronteira e pesquisando tecnologia. Eu quero que os caras armados saiam da sala para que possamos punir os assassinos da pandemia sem medo de golpe.

Se a candidatura Moro der sobrevida à intromissão dos militares na política brasileira que começou no governo Temer, será muito ruim.

Em segundo lugar, mesmo admitindo, como eu admito, que a Lava Jato também tenha legados positivos, não acho que nada disso será bem resgatado por uma candidatura presidencial messiânica.

Temo que a candidatura Moro nos condene a mais uma campanha eleitoral baseada na premissa falsa de que o que falta ao Brasil é um líder incorruptível.

Na verdade, a Presidência não é um bom lugar de onde se combater corrupção: não é o presidente que elege os outros políticos com quem vai ter que lidar ou os empresários que concorrem nas licitações.

O presidente precisa escolher se fiscaliza obras nos seus mínimos detalhes ou se as termina. Por esses e por outros motivos, sua margem de ação nessa área é muito menor do que se pensa.

Por isso, há outras instituições cuja função é fiscalizar isso tudo. Teria sido bom se Moro não tivesse ajudado a eleger o presidente que as está desmontando.

Vale a pena discutirmos Sergio Moro presidente, a esta altura do campeonato? Eu acho que não. O risco autoritário tem que ser cortado pela raiz. Não podemos ter outra campanha em que o eleitorado acredite que o dinheiro acabou porque os políticos roubaram.

E o "punitivismo" de que precisamos agora, depois dos crimes da pandemia, é outro. Duvido que ele seja bem representado na campanha presidencial de 2022, duvido ainda mais que o seja pelo ex-ministro da Justiça do culpado. ​

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS Injúria racial, FSP

 Ives Gandra da Silva Martins

Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra

Li recentemente artigo do amigo e colunista desta Folha Hélio Schwartsman ("Misturar direito e moral não é boa coisa", 1º/11), cuja amizade independe de nossas divergências sobre muitos temas, em que convergimos ao analisar decisão da Suprema Corte de que a injúria racial é delito imprescritível.

Quero esclarecer, de início, que tenho amizade com muitas pessoas de quem divirjo, pois numa democracia a hospedagem de ideias diferentes é que possibilita o diálogo —e este se dá se os que debatem são verdadeiramente democratas e não radicais, pois estes, normalmente, pensam que a única democracia possível é patrocinada por aqueles que seguem rigorosamente seus pensamentos.

O professor e jurista Ives Gandra da Silva Martins - Mathilde Missioneiro - 5.set.19/Folhapress

Visitou-me, três meses atrás, um caro amigo de quem divirjo politicamente. Após uma conversa de quase duas horas, José Dirceu me dizia como seria bom se a discussão na arena do poder se desse como fazíamos entre nós. Lembro-me que, quando de seu primeiro julgamento pela Lava Jato, ao ler o processo e não ter encontrado matéria para sua condenação, tendo manifestado tal opinião para outra amiga, Mônica Bergamo, o ministro Gilmar Mendes, também meu amigo, à mesma interlocutora declarou que eu canonizara em vida José Dirceu. Nas décadas de 1980 e 1990 divergimos muito nos programas de Ferreira Netto e Maria Lydia, sem que nossa amizade fosse jamais arranhada.

O certo é que me parece sem sentido um tribunal que solta criminosos perigosíssimos, por força de exame formal da lei, considere a injúria racial crime imprescritível, merecendo severa punição sem previsão neste sentido no tipo penal.

É de se lembrar que a prática de racismo (artigo 5º, inciso XLII da Constituição Federal) pressupõe uma habitualidade e não uma manifestação pontual. Por outro lado, o artigo 20 da lei 7.716/89 pune a discriminação tanto de raça quanto de religião, mas o STF declarou que as críticas a Cristo e as religiões cristãs são livres manifestações de pensamento.

Para evitar dúvidas, quero expressar minha profunda admiração pela raça negra. Minha assistente jurídica há 15 anos é da raça negra, tendo eu com ela livros e artigos escritos. É uma brilhante jurista.

À evidência, irrita-me, profundamente, a injúria racial, muitas vezes menos fruto do preconceito do que da raiva momentânea, mas vejo com profunda preocupação esse espírito que, nada obstante a idoneidade moral e o conhecimento jurídico dos juízes daquela corte, começa a impregnar suas decisões, das quais a própria liberdade de expressão não escapa de nítida redução com inúmeros encarceramentos sendo ditados contra meras manifestações que desagradam o conceito de democracia que cultivam.

A meu ver, caberia apenas ao Poder Legislativo definir se haveria ou não prescrição na injúria racial —e não por interpretações criativas e extensivas ter a prescrição de seu perfil definida pela Suprema Corte.

Aos 86 anos, 63 de advocacia e 57 de magistério universitário, tempo em que sempre lutei, apenas com a palavra, para uma democracia em que a liberdade de expressão fosse absoluta e os Poderes harmônicos e independentes, sem as atuais invasões de competência, confesso uma bem-humorada decepção comigo mesmo, pois nem fiz escola com a legião de alunos que tive pela vida, nem vivo na democracia que desejei.