quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Moro rasga fantasia de frente única com discurso talhado para 2018, FSP

 Igor Gielow

SÃO PAULO

Se alguém ainda acalentava a ideia de que Sergio Fernando Moro usaria sua estreia no figurino de presidenciável para pregar uma união nacional abnegada, em que todos os candidatos da terceira via estariam de mãos dadas para decidir quem romperia a polarização lá para abril, perdeu tempo.

O ex-juiz e ex-ministro Moro durante seu discurso de filiação ao Podemos, em Brasília
O ex-juiz e ex-ministro Moro durante seu discurso de filiação ao Podemos, em Brasília - Mariana Alves/Futura Press/Folhapress

Como seria previsível, Moro apresentou-se como o depositário de um projeto a ser seguido. "Aberto para adesão" da "pessoa que quiser me apoiar", nas palavras do ex-juiz. Claro, depois ele falou que apenas estava se colocando à disposição de um projeto e disse que há bons nomes na praça.

Mas para o bom entendedor, Moro foi Moro. Falou em um chamado messiânico no questionamento se ele havia abandonado o Brasil por ter aceito um contrato milionário no exterior ("Precisava ganhar a vida", num momento em que foi visto como carta fora do baralho), disse antecipar uma luta estilo Davi versus Golias.

A presença solitária do menos denso dessas alternativas a Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, Luiz Henrique Mandetta (DEM), foi eloquente. Convidado à filiação de Moro ao Podemos, governador João Doria (PSDB) preferiu tratar do esquema de segurança da Fórmula-1 em São Paulo.

"Gosto de Sergio Moro. Estaremos juntos na luta pelo Brasil em 2022", disse telegraficamente à Folha o tucano.

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Em 50 minutos de discurso, o ex-juiz símbolo da Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro buscou, antes de tudo, oferecer "hedges" às críticas que recebe.

Assim, iniciou curiosamente admitindo que sua dicção e tom de voz não são exatamente inspiradores, mas conclamou a plateia a ouvir "suas palavras". De fato, como a organização algo amadorística do evento demonstrou, ainda falta adicionar firulas do marketing político à nova persona do ex-juiz.

Refutou a pecha de ter feito uso político de sua caneta na Vara Federal de Curitiba, um recado que se tornou difícil de assimilar após ter tido suas sentenças contra Lula anuladas por imparcialidade pelo Supremo, independentemente do mérito de acusações.

Teve mais sucesso ao negar Bolsonaro pela enésima vez, ao dizer que apenas queria mudanças no país. É um discurso com o qual o bolsonarista arrependido se identifica, e ele está longe de ser uma força desprezível em 2022.

Esta, contudo, é a questão central da fala de Moro. Se tivesse sido apresentada para a eleição de 2018, há poucas dúvidas sobre o potencial eleitoral que teria representado para o ex-juiz. Naquele momento, estar isolado na política como ele está hoje, odiado à esquerda e à direita, era um trunfo que Bolsonaro aproveitou bem.

E Moro era imensamente mais popular naquele ponto de sua carreira, sem ter sofrido o desgaste do ano em que foi ministro até romper com Bolsonaro e virar presidenciável ou os arranhões da Vaza-Jato e no Supremo.

Talvez por não ter mais o que mostrar, o tom da cruzada anticorrupção permeou sua primeira fala. É uma aposta, em especial porque ele jogou no mesmo balaio o antipetismo ("Chega de mensalão" soou muito 2005, contudo) e o antibolsonarismo ("Chega de rachadinha", mais atual).

Mas eleições são sobre uma pergunta só: o que a população quer. E com inflação perigando sair de controle, gasolina a R$ 8 o litro e efeitos nefastos da pandemia ainda em curso, a resposta tende a estar na formulação clássica do marqueteiro americano James Carville: É a economia, estúpido.

Obviamente, essa é uma observação de novembro de 2021, e a própria existência de um presidente Bolsonaro mostra que futurologia é ocupação de alto risco.

Moro ensaiou um caminho de ligar o lava-jatismo à realidade de 2022, ao associar a corrupção à miséria, cujo combate logo na sequência entrou na sua lista de prioridades, ao lado do fim das desigualdades, do cerco à inflação, das liberdades individuais, da família, do emprego, da defesa do ambiente, enfim, de tudo.

Por óbvio a parte mais rasa de um discurso unidimensional, a lista de prioridades ainda viu Moro beijar a cruz do mercado, mas negar o "capitalismo cego", citar novamente Abraham Lincoln (governo "sem malícia e com caridade"), reciclar o Fome Zero de Lula ("Força-Tarefa da Miséria ou algo assim) e defender jornalistas.

Mas sua ênfase era no papel no qual se sente mais confortável, o de cruzado que quer a instalação de uma "corte anticorrupção", do fim do foro privilegiado e da reeleição. Colocou na conta também um superdimensionado sucesso no combate ao crime, já que sua pasta cuidava também da Segurança, ao longo de 2019.

Moro também assumiu um papel crescente, o de favorito entre os militares decepcionados com Bolsonaro. Defendeu as Forças Armadas como instituições de Estado numa plateia em que estavam os influentes generais da reserva Carlos Abertos dos Santos Cruz e Paulo Chagas.

Há pouca dúvida de que esse foco talhado para 2018 encontra ressonância hoje, mas é incerto seu efeito na viabilização de uma candidatura altamente insular.

Seja como for, ao lado da criação do personagem Bolsonaro do Centrão e da entrada em cena do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Moro mexe placas tectônicas de 2022, como as ausências à sua estreia demonstram.

Em abril, houve um momento breve de união dessas forças para criticar a crise militar provocada por Bolsonaro, mas o padrão de interesses dissonantes segue prevalente. Moro entendeu isso.


Dia de 'morte zero' por Covid ainda é ficção estatística, mas melhoramos, VTF FSP

 

Essa história de dias de "morte zero" por Covid em São Paulo ainda é uma ficção, infelizmente. Na segunda-feira, o estado não registrou morte alguma causada pela doença; na terça-feira, duas. O registro diário não quer dizer grande coisa. Tem atrasos e variações por causa de problemas administrativos. Mas isso nem é o mais importante. Faz uns 20 dias, o número médio flutua em torno de 63 mortes por dia.

É uma vitória parcial e um alívio. Chegamos a ter 890 mortes por dia, em abril. É possível que os números baixos deste início de semana se repitam. Tomara, mas não temos como saber. A tendência de queda firme que vinha desde junho foi interrompida depois de meados de outubro.

Não é espírito de porco estatístico. A epidemia aqui é diferente, até por ter sido muito pior, mas a Europa vive surtos preocupantes e repensa medidas sanitárias. Não podemos facilitar. Temos de levar ao limite nossa grande capacidade de vacinar e de aceitar as injeções. Não sabemos a duração da imunidade, aliás sempre relativa, seja por meio de vacinas ou de infecção prévia.

Paciente internado com Covid em UTI em São Paulo
Paciente internado com Covid em UTI em São Paulo - Miguel Schincariol - 17.mar.21/AFP

Não se trata também de sinal de que temos um problema novo. Desde outubro, a reabertura econômica é quase total; as aglomerações voltaram. Mas não tivemos surtos. A situação apenas parou de melhorar. Há outros avanços, de resto.

O número de novas internações em UTI continua a cair, talvez prenúncio de baixas no número de mortes, embora seja ainda de 338 por dia. A taxa de vacinação completa no estado é maior que a de países europeus de tamanho comparável (isto é, excluídos os pequenos): menor que a de Espanha e Itália, ligeiramente maior que a de Alemanha, França ou Reino Unido (ou até maior que a da Itália, se levada em conta a população vacinável).

A média de mortes diária por milhão de habitantes de São Paulo (1,3 por dia) agora é menor que a de EUA (3,6) e Alemanha (2), próxima à da Espanha (1,2), mas bem superior à de França e Reino Unido (0,8) ou Itália (0,53).

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A vacinação funciona. É preciso lembrar também que muita gente teve reforço involuntário de imunização porque a epidemia foi extensa em São Paulo. O total de mortes por milhão do estado é um dos maiores do mundo, 3.270. Na Itália, que padeceu muito, de 2.193. No total do Brasil, de 2.848. Em São Paulo, 2% das pessoas com 70 anos ou mais morreram: 1 em 50. Do grupo dos maiores de 50, morreu 1%. É uma letalidade de guerras terríveis.

Na Europa, há surtos. Pode se especular que, pelo tamanho da epidemia ou das características da doença e da vacinação por aqui, São Paulo esteja menos sujeito a repiques. Mas não sabemos, nem convém facilitar.

vacinação é extensa no estado: quase 83% das pessoas de 12 anos ou mais têm imunização completa. Depois dessa campanha bem-sucedida, a distribuição de mortes por grupo de idade voltou a ser o que era antes da vacina. Cerca de 75% dos mortos nos últimos 30 dias tinha 60 anos ou mais, como em fevereiro, antes de a vacinação começar a fazer efeito.

A maior parte dos mortos (73%) tinha comorbidades (nos últimos 30 dias, 77%): 58% tinham alguma doença do coração, 43%, diabetes mellitus, 14% eram obesos etc. (a soma das comorbidades dá mais de 100% porque uma pessoa pode ter mais de um desses males). Se tivéssemos mais programas de saúde preventiva, comida melhor, menos sedentarismo, para nem mencionar casas decentes, poderíamos ter salvado mais pessoas.

Há sinais de esperança. Em São Paulo, mais de 98% da população vacinável tomou pelo menos uma injeção. É um indício de que mesmo os eleitores restantes de Jair Bolsonaro, quase todos eles, ignoraram as campanhas homicidas contra a vacina.