Essa história de dias de "morte zero" por Covid em São Paulo ainda é uma ficção, infelizmente. Na segunda-feira, o estado não registrou morte alguma causada pela doença; na terça-feira, duas. O registro diário não quer dizer grande coisa. Tem atrasos e variações por causa de problemas administrativos. Mas isso nem é o mais importante. Faz uns 20 dias, o número médio flutua em torno de 63 mortes por dia.
É uma vitória parcial e um alívio. Chegamos a ter 890 mortes por dia, em abril. É possível que os números baixos deste início de semana se repitam. Tomara, mas não temos como saber. A tendência de queda firme que vinha desde junho foi interrompida depois de meados de outubro.
Não é espírito de porco estatístico. A epidemia aqui é diferente, até por ter sido muito pior, mas a Europa vive surtos preocupantes e repensa medidas sanitárias. Não podemos facilitar. Temos de levar ao limite nossa grande capacidade de vacinar e de aceitar as injeções. Não sabemos a duração da imunidade, aliás sempre relativa, seja por meio de vacinas ou de infecção prévia.
Não se trata também de sinal de que temos um problema novo. Desde outubro, a reabertura econômica é quase total; as aglomerações voltaram. Mas não tivemos surtos. A situação apenas parou de melhorar. Há outros avanços, de resto.
O número de novas internações em UTI continua a cair, talvez prenúncio de baixas no número de mortes, embora seja ainda de 338 por dia. A taxa de vacinação completa no estado é maior que a de países europeus de tamanho comparável (isto é, excluídos os pequenos): menor que a de Espanha e Itália, ligeiramente maior que a de Alemanha, França ou Reino Unido (ou até maior que a da Itália, se levada em conta a população vacinável).
A média de mortes diária por milhão de habitantes de São Paulo (1,3 por dia) agora é menor que a de EUA (3,6) e Alemanha (2), próxima à da Espanha (1,2), mas bem superior à de França e Reino Unido (0,8) ou Itália (0,53).
A vacinação funciona. É preciso lembrar também que muita gente teve reforço involuntário de imunização porque a epidemia foi extensa em São Paulo. O total de mortes por milhão do estado é um dos maiores do mundo, 3.270. Na Itália, que padeceu muito, de 2.193. No total do Brasil, de 2.848. Em São Paulo, 2% das pessoas com 70 anos ou mais morreram: 1 em 50. Do grupo dos maiores de 50, morreu 1%. É uma letalidade de guerras terríveis.
Na Europa, há surtos. Pode se especular que, pelo tamanho da epidemia ou das características da doença e da vacinação por aqui, São Paulo esteja menos sujeito a repiques. Mas não sabemos, nem convém facilitar.
A vacinação é extensa no estado: quase 83% das pessoas de 12 anos ou mais têm imunização completa. Depois dessa campanha bem-sucedida, a distribuição de mortes por grupo de idade voltou a ser o que era antes da vacina. Cerca de 75% dos mortos nos últimos 30 dias tinha 60 anos ou mais, como em fevereiro, antes de a vacinação começar a fazer efeito.
A maior parte dos mortos (73%) tinha comorbidades (nos últimos 30 dias, 77%): 58% tinham alguma doença do coração, 43%, diabetes mellitus, 14% eram obesos etc. (a soma das comorbidades dá mais de 100% porque uma pessoa pode ter mais de um desses males). Se tivéssemos mais programas de saúde preventiva, comida melhor, menos sedentarismo, para nem mencionar casas decentes, poderíamos ter salvado mais pessoas.
Há sinais de esperança. Em São Paulo, mais de 98% da população vacinável tomou pelo menos uma injeção. É um indício de que mesmo os eleitores restantes de Jair Bolsonaro, quase todos eles, ignoraram as campanhas homicidas contra a vacina.
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