segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Quem seria o culpado?, Leandro Karnal ,OESP

 A Dinamarca é uma monarquia constitucional há mais de 160 anos. A rainha Margarida II (Margrethe) ocupa um trono que remonta à Alta Idade Média. O reino enfrentou alguns reveses graves como a Guerra dos Ducados contra a Prússia/Áustria (1864) e a invasão alemã na Segunda Guerra (1940-1945). Porém, é um país de notável estabilidade para seus 5,8 milhões de habitantes. Para dar referência aos nossos leitores, isso significa menos da metade da população da cidade de São Paulo. Seus quase 43 mil km² quase se igualam ao território do Estado do Rio de Janeiro. Sua capital, Copenhague, tem uma população próxima à de João Pessoa (PB). A terra de Hamlet é um país pequeno, estável, próspero, com debates ardentes sobre questões como migração. A renda per capita dinamarquesa ultrapassa US$ 60 mil, quase nove vezes a média brasileira. Tudo parece tão tranquilo como a estátua de bronze da sereia de Hans C. Andersen que adorna uma pedra da capital. Como se exerce o poder em uma terra que, de longe, parece um conto de fadas? 

Borgen é a forma comum de o povo dinamarquês se referir ao prédio onde estão tribunais, Parlamento e Gabinete do Executivo do país: Christiansborg Slot. O palácio serve para batizar uma série sobre política dinamarquesa escrita e concebida por Adam Price e dirigida pela dupla Søren Kragh-Jacobsen e Rumle Hammerich. 

Logo no início de cada episódio, a série coloca frases de pensadores como Maquiavel, Churchill, Lenin e Mao Tsé-tung. De alguma forma, pretende ser uma longa reflexão sobre a política realista: Realpolitik.

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Sidse Babett Knudsen em cena de
Sidse Babett Knudsen em cena de 'Borgen' Foto: Netflix/Divulgação

Surpresas para nós: há casos de corrupção, uso da máquina pública para benefícios pessoais, escândalos sexuais, traições, negociatas e jogos de poder similares aos que estamos acostumados abaixo do Equador. Há pessoas melhores e piores, sim, todavia ninguém parece isento de um pecado original de ambição/vaidade. A primeira-ministra interpretada pela atriz Sidse Babett Knudsen tenta fazer uma política mais transparente, e, mesmo assim, seu currículo não permanece puro. Há idealismo na personagem Birgitte Nyborg, porém o mundo real consegue se impor. No poder, ela negligencia marido e filhos, rompe com amigos antigos para redistribuir cargos, oferece recursos e cargos a inimigos para facilitar negociações. Por fim, ela até cede à carne de forma ambígua. Em resumo, uma pessoa normal: possui valores, luta por eles e, eventualmente, negocia sua flexibilização com algum drama de consciência. 

O curioso da série é que o país Dinamarca parece funcionar bem ainda que sua política formal aproxime o reino de uma republiqueta instável. No Brasil, deploramos a política e ficamos horrorizados com muitas coisas. O brasileiro médio não reconhece um país perfeito mal governado por uma elite diabólica, mas problemas estruturais que vão do trânsito à residência, do saneamento básico ao sistema de ensino. Sim, os políticos são os que possuem pior avaliação em meio a tantos desafios. Sim, nós nos escandalizamos com a política tupiniquim, porém achamos que faz parte de um quadro geral de defeitos “de fábrica” no nosso país. 

Pensemos: o numerador da fração é a política. Os responsáveis por ela estão administrando o denominador: a realidade nacional. Na Dinamarca, o denominador médio está muito melhor do que o país em quase todos os itens. Se a política mostrada na série Borgen é equivalente à nossa visão de Brasília, a questão remete ao exercício do poder em si. Tanto faz se o país é desenvolvido ou não: basta existir o político para que o mal se instale. Será?

Claro: alguém pode, com razão, dizer que os defeitos dinamarqueses são menores mesmo na política. A série começa com um político que, em função de circunstâncias e de forma impensada, usa um cartão corporativo de governo para pagar contas da esposa. Ele devolve logo o dinheiro, mas o escândalo custa-lhe o cargo. Usar mal cartão corporativo não parece ser excepcional no Brasil. Estamos mais acostumados a mandonismos, privatização do Estado e mistura patrimonial entre o público e o privado. Aqui, a lisura existe, no entanto parece menos comum do que entre aqueles descendentes de vikings. 

A pergunta permanece: seria uma percepção ficcional imaginar a política sempre como negativa? Demonizar a política é recurso autoritário: já que nenhum político presta, o ideal é retirar poder deles e dar a...? Aí que temos um problema. A quem daremos um poder se as outras instituições também apresentam dificuldades? Monarquias e repúblicas parlamentaristas apresentam um chefe de Estado simbólico e que parece exercer um poder unificador e que busca a “isenção”. Seria uma solução para introduzir um fiel da balança, um poder acima dos outros poderes. Funciona em alguns lugares como Alemanha e Reino Unido. Um poder mais contínuo que paira acima dos poderes que oscilam ao sabor da vontade eleitoral. Mesmo assim, a primeira-ministra é obrigada a incorporar vários partidos para poder governar. Imaginei, vendo a série, se alguém criou lá a expressão “Parlamentarismo de Coalizão”... Resta a dúvida: se a política dinamarquesa é ruim e o país funciona e aqui a política é ruim e o país não anda, o que move o êxito e um fracasso de um país? O que faremos se não pudermos mais acreditar que os políticos são o grande mal? Enquanto não acho a resposta, acompanho a série... e nosso país. Boa semana!

*Leandro Karnal é historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, autor de A Coragem da Esperança, entre outros

Para onde vai uma marca quando morre?, OESP

 Fernando Scheller, O Estado de S. Paulo

18 de outubro de 2021 | 05h00

Criada nos anos 1980, a marca Extra está a um passo de desaparecer. Associada aos hipermercados, modelo de varejo em baixa há anos, a bandeira abriu mão da maioria de seus pontos, que vão virar atacarejos Assaí. Embora o Grupo Pão de Açúcar ainda pretenda manter algumas operações Extra, trata-se de um apagar de luzes para um nome que está há tempos no imaginário do brasileiro. E isso leva à pergunta: para onde vai uma marca quando morre?

Estadão conversou com especialistas que lembraram que, por mais bons atributos que uma marca tenha, não há como resistir à perda de relevância de mercado. “Nada consegue resistir às mudanças estruturais”, define Jaime Troiano, presidente da Troiano Branding. Ele lembra que a troca de Extra por Assaí – uma bandeira em ascensão – parece ser vantajosa. “Não prevejo muitas ‘viúvas’ com saudade do Extra por aí.”

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Marca Extra será desativada em breve  Foto: Taba Benedicto/Estadão

A justificativa para a “desistência” do Extra Hiper, segundo os próprios executivos do GPA e do Assaí, foi mercadológico, já que a recuperação dos hipermercados era pouco provável. Na transição para Assaí, espera-se que a receita dos 71 pontos negociados suba de R$ 8,9 bilhões para R$ 25 bilhões. Como Extra e Assaí têm o mesmo controlador – o francês Casino –, a transição foi negociada dentro de casa.

Garantia de vida

A especialista em branding Ana Couto afirma que a lucratividade é “oxigênio” de uma marca. Por mais que um nome traga boas lembranças ao consumidor, se a companhia não tem condições de permanecer no mercado, não há reputação que vá evitar seu desaparecimento. 

Ela cita o exemplo da Varig, que desapareceu dos céus brasileiros após um longo período de crise. Muita gente ainda se recorda do bom serviço da empresa em seu auge, mas isso não foi suficiente, por si, para garantir sua sobrevivência. Ela diz, porém, que propósito e empatia podem ajudar a levar um negócio a se perpetuar no longo prazo.

Para Troiano, um grupo com um portfólio extenso de marcas, como o GPA, tem sempre de olhar de perto os nomes em que vale a pena continuar investindo. “Vale, nesse caso, a metáfora do jogador do futebol. Se a empresa tem determinado ativo jogando em um time que vai mal, pode ganhar muito mais com ele se colocá-lo em um clube que está ganhando”, diz o especialista. Para Ana Couto, diante dos custos para manter e expandir uma marca, a revisão de portfólio em grandes grupos está ficando cada vez mais comum.

Troiano afirma que, neste momento, a imagem do Assaí – e do segmento de atacarejo de forma geral – está mais positiva. “Antes, havia consumidor que tinha vergonha de ser visto com a sacola de certos varejistas – comprava, mas queria anonimato.” O segmento de atacarejo parece ter vencido esse constrangimento. “Hoje, o consumidor entendeu a proposta de valor de comprar mais barato. Carrega a sacola do atacarejo com a mesma dignidade do que é visto com uma de um supermercado chique”, afirma o especialista. 

Formas de medir valor de uma marca

  • Força de mercado

A coisa mais importante é a rentabilidade e um modelo de negócio sólido. “O lucro é o oxigênio da marca, é o que dá capacidade de investimento para ela continua r crescendo”, diz a especialista em branding Ana Couto

  • Conexão emocional

Uma boa proposta de valor geralmente leva a uma conexão emocional. É possível também uma marca ser bem vista mesmo em um setor em dificuldades. É o caso da Varig, que “morreu”, mas é lembrada pelo bom serviço em seu auge

  • Propósito

No século 21, as marcas passaram a adotar causas e a ter, necessariamente, um ecossistema de valores que permeiam sua atuação no longo prazo. Isso pode ampliar sua força de mercado e garantir a sobrevivência

CARLOS BEZERRA JÚNIOR Admirável mundo novo: os desafios que se impõem, Nexo

 Eu sou daqueles que não gostam das despedidas. Sou do tipo que se apega a rotinas, a pessoas, a histórias. Entretanto, sei que despedidas fazem parte do caminho, qualquer que seja que decidimos seguir. O escritor alemão Hermann Hesse diz que “a cada chamado da vida o coração deve estar pronto para a despedida e para novo começo, com ânimo e sem lamúrias, aberto sempre para novos compromissos. Dentro de cada começar mora um encanto que nos dá forças e nos ajuda a viver”. Portanto, embora eu não seja afeito a momentos de partida, aceito os que na minha vida se impõe, crendo que sempre há um propósito, um motivo para assim ser.


Mas faço esse nariz de cera, para dizer que estas são as linhas finais de um espaço que sempre guardei com muito carinho: minha coluna no Nexo. Porque quando me convidaram para escrever aqui, eu tinha certeza de que iria publicar textos em um veículo que fica sempre um passo além da notícia; é lugar de reflexão, de diálogo, de fórum de grandes interlocutores, e me senti muito honrado por ocupar esse espaço por esses meses todos.


Recentemente também tive um convite que é talvez o maior desafio da minha vida pública e dentro daquilo que creio ser mais significativo na vida das pessoas: o campo social. É por ele que nos comunicamos com o mundo, que somos chamados pelo nome, que somos vistos e ouvidos, que nos sentimos gente e capazes, hábeis, competentes, úteis, relevantes. No entanto, antes de tudo isso acontecer, precisamos nos apropriar da nossa própria história, escolher o que queremos ou o que podemos fazer, caminhar pelos corredores dessa jornada sabendo quem somos e porque somos. Tudo isso só é possível em uma sociedade que preserva direitos.


Quando acordamos em nossa cama, dentro da nossa casa, fazemos nossa refeição, saímos para trabalhar ou para estudar, estamos praticando direitos. Todos eles fundamentais: moradia, alimentação, trabalho e educação. São esses direitos que vão garantir a dignidade humana. Só que quantas milhares de pessoas vivem à margem deles?


EU SOU DAQUELES QUE NÃO GOSTAM DAS DESPEDIDAS. SOU DO TIPO QUE SE APEGA A ROTINAS, A PESSOAS, A HISTÓRIAS. ENTRETANTO, SEI QUE DESPEDIDAS FAZEM PARTE DO CAMINHO


Sem qualquer risco de incorrer em tese discurseira, sei que muitos entram na política exatamente porque percebem que não basta se indignar, é preciso fazer um pouco mais. Ainda que o pouco possa ser muitas vezes insuficiente, ainda assim é melhor do que ficar só na indignação. Foi com esse propósito que entrei na vida pública aos 32 anos de idade. Lá se vão algumas décadas e alguns fios de cabelo (muitos fios escuros, inclusive), mas se tem algo que nunca permiti que me escapasse é a esperança. Alguns se amarguram no meio do caminho, desistem, acham que é muita briga para comprar e pouco resultado para dar. Pode até ter um fundo de verdade nisso, mas, ao longo da minha caminhada, eu vi muitos que lutaram a vida toda para ver a mudança chegar na vida de um tanto de gente. Então, foi também com aquela mesma indignação que me coloca na zona de desconforto e me faz partir para a ação que aceitei estar à frente das políticas públicas para a área social de São Paulo, que figura entre as cinco cidades mais populosas do mundo. E assim, assumi a SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) da minha cidade.


Há também nesta decisão um grande senso de missão, que tem uma conotação teológica, mas ironicamente, é um conceito que também transcende a sua referência. Missão é trabalho, é um compromisso formal que ultrapassa os limites de tempo e espaço. Quando digo isso, lembro que trabalho e emprego se limitam a um local e a um tempo, já uma missão não tem limites no tempo ou no espaço.


Eu me formei como médico e creio que assim como jornalista, educador, assistente social, existem profissões que ao escolhermos exercê-la – será que escolhemos ou somos “escolhidos” por elas? – sabemos que devemos exercê-la 24 horas por dia, porque também elas representam uma forma de pensar o mundo.


Por isso, assumir a SMADS é um encontro com a minha missão, que aceito com o mesmo propósito, os mesmos sonhos e o mesmo entusiasmo que se renovam a cada desafio.


Há inúmeros problemas a serem enfrentados e muitas prioridades a serem postas em seu devido lugar. E escolher jogar lupa em cima daquilo que não tem dado certo ou que precisa melhorar será um contínuo exercício com uma certa dose de coragem. Mas quem chegou a algum lugar neste mundo sem que tivesse deixado a coragem chegar primeiro?


Um dia, alguém (muitos, ao longo de muito tempo) precisou apontar para o racismo, para a xenofobia, para a misoginia, para o machismo, para a homofobia, para a discriminação social e para a intolerância religiosa para que a sociedade iniciasse debates sobre esses temas. Mas sempre será a partir de uma provocação que sairemos da inação ou do continuísmo.


Poder pensar a moradia como um direito que precisa estar além do preto no branco, ou seja, além de uma folha redigida; reforçar que o direito fundamental sem prática é uma afronta à vida humana; agir em favor da promoção da dignidade através de políticas públicas que possam mudar o destino traçado de tanta gente é um desafio, é uma missão e é uma esperança também. Nesse tripé, eu me firmo e, por isso, a despedida tem um ar de “até logo”, porque espero, de verdade, que notícias boas possam ser contadas a partir da história que nós começamos a escrever. Então, até breve!


Carlos Bezerra Júnior está em seu quarto mandato na Câmara Municipal de São Paulo pelo PSDB. Formado em medicina, ele já foi deputado estadual por dois mandatos e secretário municipal de Esportes e Lazer. Como deputado, foi presidente da Comissão de Direitos Humanos e presidiu a CPI do Trabalho Escravo. É autor da lei paulista de combate ao trabalho escravo, conhecida como “Lei Bezerra”, que é considerada referência mundial sobre o tema pela Organização das Nações Unidas. É também o autor da lei que criou o Mãe Paulistana, maior programa de redução da mortalidade materna e infantil nos hospitais públicos da cidade de São Paulo. Foi preletor em eventos da ONU em Nova York e Genebra. É autor do livro “Fé cidadã – Quando a espiritualidade e a política se encontram”, pela Editora Mundo Cristão.


Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/colunistas/tribuna/2021/Admir%C3%A1vel-mundo-novo-os-desafios-que-se-imp%C3%B5em?utm_source=NexoNL&utm_medium=Email&utm_campaign=anexo

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