Eu sou daqueles que não gostam das despedidas. Sou do tipo que se apega a rotinas, a pessoas, a histórias. Entretanto, sei que despedidas fazem parte do caminho, qualquer que seja que decidimos seguir. O escritor alemão Hermann Hesse diz que “a cada chamado da vida o coração deve estar pronto para a despedida e para novo começo, com ânimo e sem lamúrias, aberto sempre para novos compromissos. Dentro de cada começar mora um encanto que nos dá forças e nos ajuda a viver”. Portanto, embora eu não seja afeito a momentos de partida, aceito os que na minha vida se impõe, crendo que sempre há um propósito, um motivo para assim ser.
Mas faço esse nariz de cera, para dizer que estas são as linhas finais de um espaço que sempre guardei com muito carinho: minha coluna no Nexo. Porque quando me convidaram para escrever aqui, eu tinha certeza de que iria publicar textos em um veículo que fica sempre um passo além da notícia; é lugar de reflexão, de diálogo, de fórum de grandes interlocutores, e me senti muito honrado por ocupar esse espaço por esses meses todos.
Recentemente também tive um convite que é talvez o maior desafio da minha vida pública e dentro daquilo que creio ser mais significativo na vida das pessoas: o campo social. É por ele que nos comunicamos com o mundo, que somos chamados pelo nome, que somos vistos e ouvidos, que nos sentimos gente e capazes, hábeis, competentes, úteis, relevantes. No entanto, antes de tudo isso acontecer, precisamos nos apropriar da nossa própria história, escolher o que queremos ou o que podemos fazer, caminhar pelos corredores dessa jornada sabendo quem somos e porque somos. Tudo isso só é possível em uma sociedade que preserva direitos.
Quando acordamos em nossa cama, dentro da nossa casa, fazemos nossa refeição, saímos para trabalhar ou para estudar, estamos praticando direitos. Todos eles fundamentais: moradia, alimentação, trabalho e educação. São esses direitos que vão garantir a dignidade humana. Só que quantas milhares de pessoas vivem à margem deles?
EU SOU DAQUELES QUE NÃO GOSTAM DAS DESPEDIDAS. SOU DO TIPO QUE SE APEGA A ROTINAS, A PESSOAS, A HISTÓRIAS. ENTRETANTO, SEI QUE DESPEDIDAS FAZEM PARTE DO CAMINHO
Sem qualquer risco de incorrer em tese discurseira, sei que muitos entram na política exatamente porque percebem que não basta se indignar, é preciso fazer um pouco mais. Ainda que o pouco possa ser muitas vezes insuficiente, ainda assim é melhor do que ficar só na indignação. Foi com esse propósito que entrei na vida pública aos 32 anos de idade. Lá se vão algumas décadas e alguns fios de cabelo (muitos fios escuros, inclusive), mas se tem algo que nunca permiti que me escapasse é a esperança. Alguns se amarguram no meio do caminho, desistem, acham que é muita briga para comprar e pouco resultado para dar. Pode até ter um fundo de verdade nisso, mas, ao longo da minha caminhada, eu vi muitos que lutaram a vida toda para ver a mudança chegar na vida de um tanto de gente. Então, foi também com aquela mesma indignação que me coloca na zona de desconforto e me faz partir para a ação que aceitei estar à frente das políticas públicas para a área social de São Paulo, que figura entre as cinco cidades mais populosas do mundo. E assim, assumi a SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) da minha cidade.
Há também nesta decisão um grande senso de missão, que tem uma conotação teológica, mas ironicamente, é um conceito que também transcende a sua referência. Missão é trabalho, é um compromisso formal que ultrapassa os limites de tempo e espaço. Quando digo isso, lembro que trabalho e emprego se limitam a um local e a um tempo, já uma missão não tem limites no tempo ou no espaço.
Eu me formei como médico e creio que assim como jornalista, educador, assistente social, existem profissões que ao escolhermos exercê-la – será que escolhemos ou somos “escolhidos” por elas? – sabemos que devemos exercê-la 24 horas por dia, porque também elas representam uma forma de pensar o mundo.
Por isso, assumir a SMADS é um encontro com a minha missão, que aceito com o mesmo propósito, os mesmos sonhos e o mesmo entusiasmo que se renovam a cada desafio.
Há inúmeros problemas a serem enfrentados e muitas prioridades a serem postas em seu devido lugar. E escolher jogar lupa em cima daquilo que não tem dado certo ou que precisa melhorar será um contínuo exercício com uma certa dose de coragem. Mas quem chegou a algum lugar neste mundo sem que tivesse deixado a coragem chegar primeiro?
Um dia, alguém (muitos, ao longo de muito tempo) precisou apontar para o racismo, para a xenofobia, para a misoginia, para o machismo, para a homofobia, para a discriminação social e para a intolerância religiosa para que a sociedade iniciasse debates sobre esses temas. Mas sempre será a partir de uma provocação que sairemos da inação ou do continuísmo.
Poder pensar a moradia como um direito que precisa estar além do preto no branco, ou seja, além de uma folha redigida; reforçar que o direito fundamental sem prática é uma afronta à vida humana; agir em favor da promoção da dignidade através de políticas públicas que possam mudar o destino traçado de tanta gente é um desafio, é uma missão e é uma esperança também. Nesse tripé, eu me firmo e, por isso, a despedida tem um ar de “até logo”, porque espero, de verdade, que notícias boas possam ser contadas a partir da história que nós começamos a escrever. Então, até breve!
Carlos Bezerra Júnior está em seu quarto mandato na Câmara Municipal de São Paulo pelo PSDB. Formado em medicina, ele já foi deputado estadual por dois mandatos e secretário municipal de Esportes e Lazer. Como deputado, foi presidente da Comissão de Direitos Humanos e presidiu a CPI do Trabalho Escravo. É autor da lei paulista de combate ao trabalho escravo, conhecida como “Lei Bezerra”, que é considerada referência mundial sobre o tema pela Organização das Nações Unidas. É também o autor da lei que criou o Mãe Paulistana, maior programa de redução da mortalidade materna e infantil nos hospitais públicos da cidade de São Paulo. Foi preletor em eventos da ONU em Nova York e Genebra. É autor do livro “Fé cidadã – Quando a espiritualidade e a política se encontram”, pela Editora Mundo Cristão.
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