sábado, 13 de março de 2021

Lula e Bolsonaro entram num bar, Marcos Nogueira, FSP

Meu tio, já morto, foi coronel da Polícia Militar paulista. Nos estertores da ditadura e um pouco além disso, ocupava posto alto na hierarquia da corporação. Nunca soube de sua participação no aparato repressivo, mas uma coisa posso dizer com segurança: ele não simpatizava com comunistas, socialistas e esquerdistas em geral.

O coronel descreveu, numa reunião familiar, o encontro que teve com o então deputado federal Lula (mandato de 1987 a 91). Sei lá de que os dois trataram no gabinete do petista em Brasília. Só sei que o meu tio saiu de lá fascinado.

O sindicalista barbudo –então considerado um radical perigoso– abriu uma gaveta e pôs sobre a mesa uma garrafa de cachaça. O tio, entusiasta da cana em mais de um sentido, relaxou e se deixou levar pela prosa. Aos parentes, falou maravilhas sobre a simpatia e o carisma de Lula.

Não preciso gastar tinta com a sucessão de fatos que culminou no discurso histórico de Lula, na quarta-feira (10). Sua fala rompeu a nuvem de apatia e fatalismo que borra a mente dos brasileiros.

Você pode não gostar de Lula. Mas precisávamos de uma liderança para fazer frente ao Bolsonaro, não? Tá lá: ninguém mostrou credenciais melhores. Com a vantagem de ser um líder de churrasco e boteco.

“Vocês não sabem como eu ficava feliz quando via um trabalhador mostrar uma picanha e dizer que ia comer e tomar cerveja”, disse o ex-presidente no pronunciamento. Sabemos que é tudo calculado –melhor a empatia calculada do que o ódio visceral.

Responda com sinceridade: com quem você prefere dividir a mesa do bar? Com o Lula Picanha e Cerveja? Ou com o Bolsonaro Cloroquina e Arminha?

Para começar, Bolsonaro não bebe álcool em público. Para se contrapor a Lula, só toma refrigerante –como se esse hábito infantiloide fosse saudável.

Que tal se sentar no boteco com um tiozão que pede guaraná Jesus e ainda faz piada homofóbica com a cor rosa da bebida? Cruz credo.

Bolsonaro e a direita colaram em Lula o rótulo de pinguço, como desvio de caráter. Até jornalista gringo engoliu, embora o petista nunca tenha se excedido em eventos protocolares –tampouco há indícios de que o diabinho do álcool o tenha guiado em decisões desastrosas para o Brasil.

Não é só a birita. Imagine a mesa de bar como um cenário ao estilo de “A Praça é Nossa”, em que os amigos do anfitrião chagam e vão embora.

Na mesa de Lula vão passar Obama, Chico Buarque, Gilberto Gil, até o papa para bicar um vinho mendocino; na de Bolsonaro, o bispo Edir, Olavo, os irmãos Weintraub, o ministro sanfoneiro. É para pedir um sal de fruta e a conta.

A maior diferença está no papo. Lula vai falar muito de si mesmo, mas também de futebol e das coisas boas que gostaríamos de recuperar. Vai falar de algo do seu interesse porque ele, astuto, quer sua atenção e vai prestar atenção em você. A conversa de Lula ganhou até o meu tio milico.

Bolsonaro vai falar de autoridade, de repressão, de destruição, de morte. Ele não quer a sua atenção, ele quer guerra. É só disso que ele sabe falar.

Bolsonaro precisa ser calado.

Mortes: Dominou a justiça, a literatura e a arte de viver, Patricia Pasquini, FSP

 O advogado e jurista Zaiden Geraige Neto dominou a justiça, a política, a literatura e a arte de viver. “Ele viveu 50 anos como se fossem 100, intensamente”, diz a design de interiores Ana Paula Jerônymo Geraige, 44, sua esposa.

Zaiden e Ana Paula se conheceram em um baile na cidade de Barretos (a 423 km de SP). O casal namorou 11 anos e estava junto há 29.

Mesmo com todos os cuidados e seguindo os protocolos de segurança contra a Covid-19, Zaiden foi infectado. O vírus colocou um ponto final na história de amor com Ana Paula, na carreira promissora e na trajetória de grandes realizações.

Zaiden Geraige Neto (1970–2021)
Zaiden Geraige Neto (1970–2021) - Arquivo pessoal

Natural de Barretos, Zaiden era filho do ex-prefeito, ex-vereador e ex-presidente da Câmara Municipal de Barretos, Mélek Zaiden Geraige (já falecido), e de Ana Rosa Meinberg Geraige.

Zaiden estudou direito na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, onde também obteve os títulos de mestre e doutor. Foi professor da pós-graduação na Universidade de Ribeirão Preto, na Faculdade de Direito da USP, na mesma cidade, e na Faculdade Barretos.

Zaiden reuniu atuação em importantes instituições, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), e foi membro efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo e Instituto dos Advogados Brasileiros.

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Na política, ocupou o cargo de secretário municipal de Negócios Jurídicos de Barretos (2005-2008), cidade onde recebeu o título de Cidadão Emérito, em 2016. Lá mantinha seu escritório, Geraige Advogados Associados.

Zaiden editou alguns livros e publicou artigos em revistas especializadas. Chegou a finalista no Prêmio Jabuti de 2012.

A caridade, herdada do pai, também marcou sua existência. Zaiden foi conselheiro da Fundação Pio XII – Hospital do Câncer de Barretos.

Zaiden Geraige Neto morreu no dia 2 de março por complicações da Covid-19. Deixa a esposa Ana Paula, a mãe Ana Rosa, os irmãos Antonio Carlos e Ana Helena e uma legião de ex-alunos e amigos.

Mortes: Do Brasil para os EUA levou o samba, o pandeiro e o futebol, FSP

 Patrícia Pasquini

SÃO PAULO

Desde os oito anos de idade, o paulistano Francisco Walter Piraino mostrava uma personalidade com bonitos traços. Era destemido, proativo e gostava de ajudar as pessoas.

“Ele nunca teve medo de esforço e dedicava-se totalmente ao que se propunha a fazer”, diz a filha Suely Piraino Argianas.

Filho de italiano com uma brasileira e o mais velho dos cinco filhos, Frank, como também era conhecido, veio de origem humilde. Aos oito anos já trabalhava com venda de jornais e fazendo bicos.

Com a morte do pai, quando tinha 12 anos, ajudou a mãe a sustentar a família.

Formou-se economista e contador, e aprendeu inglês. No Brasil, Frank gerenciou o primeiro escritório da Pan Am e administrou a loja de departamentos Sears. Ao longo da vida também trabalhou com jornalismo.

Francisco Walter Piraino (1925-2021) e a esposa Amneris Gobbato Piraino
Francisco Walter Piraino (1925-2021) e a esposa Amneris Gobbato Piraino - Arquivo pessoal

Frank se casou em 1950 com a viúva Amneris Gobbato Sassi, mãe de um menino. Mario ganhou um pai e três irmãos, frutos da nova união, formando a família Piraino.

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Em 1962, mudou-se com a família para Nova York e em 1990 para Miami, na Flórida. Entre uma cidade e outra, chegou a permanecer um tempo no Brasil.

Por 45 anos, foi CEO da Walpex Trading Company, empresa de comércio internacional. Pelo trabalho viajou o mundo ao lado de Amneris, com quem viveu mais de 70 anos de amor e casamento, segundo conta Suely.

No auge da juventude, os amigos o chamavam de Waltinho do pandeiro. Seu gosto musical ia do samba à ópera —apaixonou-se pelo gênero graças à esposa.

Na arte de ser pai, caminhou ao lado dos filhos como o amigo, mentor e mestre, que cultivou em suas vidas o gosto pelo Carnaval, pela música brasileira e pelo xadrez, pois foi um exímio jogador.

Frank e a esposa adoravam futebol. Fanático pelo Corinthians, registrou todos os filhos como membros do time.

Frank perdeu a esposa Amneris para a Covid-19 no dia 19 de janeiro deste ano; em 21 de fevereiro, aos 95 anos, juntou-se à sua amada.

Frank morreu de causas naturais. Deixa quatro filhos, sete netos e cinco bisnetos.