domingo, 6 de julho de 2025

A crise atual: instituições constantes, incentivos variáveis, Marcos André Melo, FSP

 Há duas posições rivais na interpretação da atual crise nas relações Executivo-Legislativo. A primeira sustenta que o presidencialismo de coalizão se esgotou e perdeu sua funcionalidade devido ao enfraquecimento do Executivo. O resultado é a fragmentação da coalizão de apoio ao Executivo, incapacitando-o de implementar sua agenda. Esta dinâmica é vista como produto de uma usurpação de poderes do Executivo progressista pelo Legislativo conservador.

A alternativa rival é superior. Argumenta que nosso presidencialismo tem se transformado, sim, o presidente efetivamente tem perdido poder, o Congresso aumentado suas prerrogativas, sobretudo, orçamentárias. E o Legislativo tem conquistado autonomia após a criação do fundo de campanha e controle de emendas. Mas defende que o problema de fundo é o gerenciamento monopolista da coalizão de governo e escasso compartilhamento de poder. Já escrevi inúmeras colunas sobre o tema em que defendo este último argumento. Mas ela não dá conta da crise em curso. Uma crise conjuntural não é explicável apenas em termos do macro funcionamento institucional do país.

A imagem mostra o plenário da Câmara dos Deputados do Brasil, com várias pessoas em movimento. Há uma mesa central onde alguns deputados estão reunidos, e ao fundo, as bandeiras do Brasil e do Congresso. As cadeiras estão ocupadas por outros deputados, e as telas de votação estão visíveis nas laterais. A imagem tem um efeito de desfoque, sugerindo movimento.
O presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, participa de sessão no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília - Gabriela Biló - 17.jun.25/Folhapress

A questão fundamental é por que esta crise se agudizou no momento atual? Afinal, não houve mudança institucional nas regras que presidem as relações Executivo e Legislativo desde 2023. Tampouco inflexão na forma de gestão da coalizão. Ou mudança nas preferências ideológicas dos atores. E mais: a primeira metade do mandato presidencial foi marcada por cooperação (ex. PEC da Transição, do arcabouço fiscal e da reforma tributária). O que ocorreu então?

Houve, sim, mudanças, mas nos poderes não constitucionais do presidente e de seus poderes partidários, para utilizar o jargão. O desempenho do PT foi péssimo nas eleições municipais de 2024, mesmo sendo incumbente. Por outro lado, a aprovação o governo despencou, segundo o Datafolha, de 35% (12/2024), para 24% (02/2025) e 28% (06/25), com a reprovação se mantendo acima de 40%. Mas a variável explicativa decisiva é a eleição de 2026. A teoria aponta que o imperativo eleitoral impacta mais os partidos de centro e centro-direita. As evidências são eloquentes. Segundo pesquisa Quaest com parlamentares, o favorito para ganhar as eleições passou a ser o candidato da oposição.

Lula é o favorito para apenas 35% deles (em maio de 2024 era 43%). É percebido como potencial perdedor. Um pato manco. Este fator deflagrou a debandada da coalizão e o apoio a candidaturas rivais. O que implica uma disputa de recursos cruciais em ano eleitoral, convertendo o orçamento em jogo de soma zero, como analisei aqui.

A debandada é causa e consequência da piora na avaliação do governo: 51% dos deputados a consideram negativa, contra apenas 18% que a julgam positiva. Esse cenário não decorre das posições de governistas ou oposicionistas, cujas avaliações permanecem estáveis —96% dos opositores avaliam negativamente, enquanto 71% dos governistas têm visão positiva. A inflexão deve-se aos deputados autodeclarados independentes, que representam 27% da Câmara.

O Executivo voltará a ser protagonista quando contar com mais poderes partidários, maior congruência de preferências entre a coalizão de governo e mediana do Congresso; maior proporcionalidade na alocação de ministérios e maior popularidade presidencial.


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