No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta o desafio de atender mais de 140 milhões de pessoas com recursos limitados, o que impulsiona a busca por inovação. Contudo, apesar dos investimentos em tecnologias "revolucionárias" como inteligência artificial para diagnósticos ou blockchain para prontuários, muitas dessas soluções fracassam na prática.
Esse insucesso não é exclusivo do Brasil, sendo um padrão global onde a tecnologia perfeita falha devido à implementação inadequada. Exemplos internacionais incluem o Google Health e o IBM Watson for Oncology, que subestimaram a complexidade do setor de saúde, incluindo a lentidão dos processos, a resistência à mudança, a falta de infraestrutura e a desconfiança. Como afirmou Atul Gawande, "a maior barreira para a inovação em saúde não é a tecnologia, mas sua adoção".
Com base em quase uma década de experiência em tecnologia na saúde brasileira, identificamos cinco verdades ignoradas por quem propõe "ideias disruptivas".
A primeira delas é que a saúde avança na velocidade da confiança, não da inovação. Profissionais de saúde têm receio de errar em algo que pode custar vidas, exigindo validação científica e segurança para pacientes. No Brasil, essa barreira é maior devido ao acesso desigual à informação e à desconfiança institucional. Eric Topol resume: "Não se trata de resistência à mudança. Trata-se de cautela diante de algo que mexe com vidas".
Em segundo lugar, a integração sempre vence a inovação. Uma ferramenta, por mais genial que seja, será abandonada se não se integrar aos sistemas existentes do SUS, prontuários eletrônicos ou ao fluxo de trabalho dos profissionais. A fragmentação de sistemas no Brasil, onde cada município, estado e hospital usa plataformas diferentes, agrava o problema. Leana Wen compara: "Tecnologia que não se encaixa no dia a dia do profissional é como uma receita médica que ninguém segue".
O terceiro ponto é que o "fator legal" não define o sucesso, mas o uso real sim. Um aplicativo pode ser impressionante em demonstrações, mas se os usuários reais —enfermeiros, técnicos, médicos— o considerarem difícil de usar, não o adotarão. No Brasil, com tempo escasso e alto estresse, a simplicidade e a intuitividade da interface são cruciais. Estudos mostram que muitos profissionais desistem de novas ferramentas digitais por falta de treinamento e má experiência do usuário. Clayton Christensen defende: "As melhores inovações não são as mais complexas, mas as que resolvem problemas reais, de forma simples e eficaz".
Um quarto fator a se considerar é que o reembolso define tudo. Mesmo a melhor plataforma de telemedicina será ignorada se não houver um código de cobrança reconhecido por órgãos reguladores ou operadoras de planos de saúde. O modelo econômico brasileiro ainda foca no volume, não no valor, o que dificulta a adoção de tecnologias preventivas ou digitais. David Blumenthal afirma: "Nenhuma inovação sobrevive sem um modelo financeiro claro. A saúde não é uma startup de apps sociais".
Por fim, as lideranças clínicas são o motor da mudança. Nenhuma startup pode mudar a medicina sozinha. É essencial ter aliados internos —médicos, enfermeiros, coordenadores engajados. Eles só se envolvem se a tecnologia resolver um problema real e imediato. Danielle Ofri destaca: "Os médicos não resistem à tecnologia. Resistem a tecnologias que tornam seu trabalho mais difícil".
Diante desses desafios, soluções evolutivas são mais eficazes. Um exemplo de sucesso foi um aplicativo simples de resumo de consulta médica, sem IA ou realidade virtual, que era leve, rápido e se integrava ao fluxo de trabalho do médico. Ele foi desenvolvido por quem realmente entendia o dia a dia do consultório. Às vezes, o mais útil não é o mais tecnológico, mas o mais humano.
A lição para o Brasil é que devemos focar em soluções evolutivas que respeitem o ritmo e as necessidades do sistema existente. Inovações devem ser construídas com os profissionais de saúde, priorizando integração e simplicidade e com um modelo de negócios sustentável.
O futuro da saúde no Brasil virá de inovações pequenas, mas poderosas, que permitam ao médico focar no paciente, ao enfermeiro ter menos burocracia e ao gestor planejar com dados reais. O simples, muitas vezes, é o que realmente faz a diferença.
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