Edinho Silva
[RESUMO] Novo presidente do PT argumenta que o Brasil precisa se unir para lidar com o tarifaço imposto por Donald Trump e discutir se quer ser um país dos privilégios ou da igualdade de oportunidades. Reações do governo à derrubada dos decretos sobre o IOF não são campanha "nós contra eles" e nem o presidente nem o PT, escreve, querem ampliar tensões com o Congresso.
O Brasil tem muitos desafios pela frente, mas alguns parecem especialmente relevantes para o próximo período.
Um deles, de imediato, é unir o país em torno das consequências deixadas pela aliança da família Bolsonaro e do bolsonarismo, que cada vez mais se caracteriza com o fascismo que se alastra no mundo, com o presidente dos EUA, Donald Trump. Trata-se de um casamento marcado pela inconsequência e pelas medidas irresponsáveis que geram danos para o povo brasileiro e para as instituições nacionais, agredindo a nossa soberania.
A aliança de inspiração fascista Bolsonaro/Trump politiza a racionalidade econômica e gera danos ao agronegócio e à indústria brasileira, bem como a cada brasileiro e brasileira que será afetado pelo tarifaço sobre nossos produtos.
A violência do presidente americano tem motivos explícitos: o fortalecimento do Brics e sua autonomia na construção de novas relações econômicas e políticas —a construção do multilateralismo. Trump não aceita nada que seja alternativo à concepção unilateralista hegemonizada pelos EUA. Também está explícita a intromissão política de Trump sobre o Brasil para tentar livrar Jair Bolsonaro do julgamento pela tentativa de golpe. Uma agressão às instituições brasileiras, um desrespeito ao nosso Poder Judiciário.
Esse não é um desafio pequeno e também não é o único. Ainda precisamos cicatrizar as feridas deixadas pela recente batalha envolvendo o IOF. Mais do que o debate sobre arrecadação, alíquotas ou alternativas para cumprir as metas fiscais do país, está em jogo uma discussão maior e mais profunda, capaz de demarcar o Brasil que desejamos construir: queremos, afinal, ser um país dos privilégios ou da igualdade de oportunidades? Debate que o mundo terá que fazer diante da concentração global da renda.
O governo do presidente Lula lançou esse importante debate. Por exemplo, o Brasil não pode mais conviver com R$ 860 bilhões de renúncia fiscal. Precisamos debater quais setores estão sendo beneficiados às custas do restante dos brasileiros. É inaceitável que grandes corporações sejam desoneradas, sem limite temporal, enquanto o pequeno e o médio empresário, mesmo setores do grande empresariado, o empreendedor, o trabalhador autônomo e o assalariado sigam pagando seus impostos, pagando a conta da desoneração "ad eternum".
É também moral, ética e economicamente insustentável que, proporcionalmente, os mais ricos paguem menos impostos do que pessoas mais pobres por um sistema que, na prática, beneficia o topo da escala da renda.
A radicalização do Congresso, cuja maioria derrubou um decreto presidencial, levou o governo a agir com firmeza e demonstrar a falácia dos argumentos de aumento dos impostos, de quem resistiu à alteração do IOF, e da tributação de quem deve pagar e não paga, caracterizando a sociedade de privilégios. O governo precisa passar um pente-fino nas suas despesas e não tem se esquivado dessa missão, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mas esse esforço será estéril se o preço da injustiça tributária continuar sendo pago pelo conjunto da sociedade brasileira.
Diante da repercussão de sua mensagem, logo se acusou o governo e o PT de disseminarem uma campanha do "nós contra eles", como se, ao defender justiça social, privilegiasse sua base eleitoral em detrimento de outras. Nada mais falso.
Sejamos justos: o que se está propondo é justamente debater a natureza da realidade tributária e da renda. Trata-se, portanto, de uma discussão sobre carga tributária, desigualdade de renda e privilégios. Não é o "nós" contra "eles", mas o alerta sobre um país onde a minoria de privilegiados prejudica o Brasil. Um país desigual é ruim para todos, inclusive para a tal minoria privilegiada.
Mas o episódio do IOF descortinou um desafio ainda maior: o desarranjo institucional brasileiro —o processo de descaracterização do presidencialismo brasileiro, que se aprofundou no governo de Michel Temer e ultrapassou todos os limites no governo Bolsonaro.
Quando está nas mãos do Congresso a responsabilidade pela execução de mais de R$ 52 bilhões do Orçamento da União por meio de emendas parlamentares, transformamos o nosso presidencialismo em semipresidencialismo ou semiparlamentarismo.
O fato é que o presidente da República, eleito com uma plataforma escolhida pela maioria dos eleitores, vê sua agenda descaracterizada e seu poder praticamente anulado pela concentração de atribuições no Parlamento. Lula foi eleito em 2022 apoiado por uma frente ampla que nasceu tanto da resistência ao autoritarismo de natureza fascista que representava a candidatura de Jair Bolsonaro quanto da convicção de que Lula era —e é— a principal liderança capaz de unir o país nos valores da democracia.
Ele, assim como o seu partido, o PT, sempre trabalhou com agendas fundamentadas na justiça social e na igualdade de oportunidades e foi sobre ela que a frente ampla também se assentou. Não mudamos de lado, o Brasil sabe o que defendemos.
Os desafios impostos ao país, no entanto, extravasam o campo do PT e aliados. O atual tensionamento político vai requerer mais diálogo, capacidade de construção de consensos, costura de alianças com diferentes partidos dentro do campo democrático e uma concertação institucional envolvendo os três Poderes. Não há outro nome capaz de liderar esse movimento senão o presidente Lula, lidando com distintas forças —da esquerda ao centro, os movimentos sociais e sociedade civil organizada.
Nos últimos dias, tive a honra de ser eleito para presidir o PT no próximo ciclo e, com esse papel, espero contribuir para essa construção. Nem o presidente nem o governo como um todo e nem o PT desejam ampliar tensões e desabonar o Congresso. É necessária uma agenda de futuro que fuja do varejo político e dos interesses individuais. Além da urgência da justiça tributária e do financiamento do SUS, o Brasil precisa urgentemente:
- de uma reforma político-eleitoral: os partidos precisam se fortalecer sobre os interesses menores para o bem da democracia. Voto em lista já;
- de uma agenda para a condução da transição energética. A urgência climática é prioridade;
- de um programa para os recursos advindos da exploração da margem equatorial; reflorestamento da floresta amazônica, novas tecnologias para monitoramento do combate ao desmatamento, investimento em projeto de desenvolvimento econômico sustentável para a região da Amazônia Legal; universalização da educação integral e primeira infância.
- uma política de segurança pública que adote as novas tecnologias, não banalize a violência e valorize as carreiras dos policiais.
Além de pautarmos com tranquilidade, mas sem morosidade, a questão da escala 6x1 e o colapso do transporte público nos grandes centros urbanos, se quisermos um Congresso Nacional em sintonia com o povo brasileiro.
Mas, ao mesmo tempo, sabemos que só responderemos aos desafios com coragem e muita capacidade de construção de consensos. É possível e urgente dialogar em meio às diferenças, respeitando visões distintas da nossa sociedade, sabendo que a única radicalização que importa é acreditar no Brasil e em nossos interesses comuns, no legado para futuras gerações. A começar pelo maior interesse de todos: justiça social com democracia.
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