Por que um pastor que se tornou a principal voz antiesquerda entre os evangélicos abre sua intimidade e recebe em sua casa, escritório, carro particular e jatinho uma cineasta que, em muitos sentidos, representa a esquerda que ele combate?
Silas Malafaia é o único entrevistado que aparece do início ao fim do documentário "Apocalipse nos Trópicos", de Petra Costa, que estreou nos cinemas na semana passada. Foi entrevistado por ela desde antes da eleição de Bolsonaro até depois da volta de Lula ao poder.
Por que ele, um pastor com décadas de experiência em televisão, que entende de comunicação e usa a internet de modo profissional, aceitou participar de um filme em que seu envolvimento com a política seria criticado e ridicularizado?
A resposta curta: para ser o protagonista. Malafaia se apresenta como a Odete Roitman de "Apocalipse nos Trópicos" —o malvado favorito de quem já não gosta de evangélicos.
Um jornalista evangélico chamou a atenção para o fato de Malafaia ser generoso com a mídia "inimiga". "Ele sabe que vai apanhar da Folha, por exemplo, mas dá entrevistas. E sempre passa mensagens para o público dele", explica esse interlocutor, que pede para não ser identificado.
Malafaia abre as portas de sua mansão para Petra Costa, mostra a família e permite que ela registre seu ataque de fúria no trânsito ao dirigir sua BMW e brigar com um motoqueiro —tudo para enviar mensagens. Esses veículos tornam-se, para ele, cavalos de troia: formas de acessar públicos que normalmente o ignorariam.
Para os não evangélicos, Malafaia se apresenta como o estereótipo do cristão que rejeitam: conservador, truculento, envolvido até os dentes com a política e abertamente rico —alguém que não esconde ter seu próprio jatinho e declara quanto pagou por ele em dólares no documentário.
Para o público de esquerda, essa reação negativa o consolida como o porta-voz dos evangélicos. Mas isso é uma miragem para quem vê de fora. Malafaia é frequentemente contestado e criticado dentro do próprio campo evangélico e agora luta para se manter relevante no cenário de Bolsonaro inelegível.
Quando aparece sendo criticado pela mídia "inimiga", Malafaia se apresenta para seu eleitorado conservador como um herói —ou, no mínimo, como alguém corajoso, que diz o que pensa, mesmo diante de seus adversários.
Ao vocalizar o que muitos evangélicos pensam —que a esquerda não gosta de evangélicos e é contra a família tradicional— e ser atacado por isso, o ataque se converte em apoio.
"Apocalipse nos Trópicos" aborda um tema da maior importância: a influência crescente de algumas igrejas evangélicas —especialmente as corporações da fé— no Estado. Mas, em vez de expor a complexidade do fenômeno, o filme retrata os evangélicos como fanáticos manipulados por pastores ricos.
O que chamará mais a atenção dos evangélicos conservadores no documentário de Petra Costa? O pastor milionário e politiqueiro ou a percepção de que a esquerda faz propaganda política contra eles e contra o cristianismo?
Suspeito que a segunda opção.
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