O tempo fechou nas relações do Brasil com os Estados Unidos a partir de 16 de maio. Nesse dia, o Itamaraty mandou ao Departamento de Estado americano uma carta cordial, propondo o início de negociações sobre tarifas comerciais, e não recebeu resposta até hoje.
Lula tinha acabado de voltar da China. Dias depois, o governo americano reclamou de decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
O mal-estar começou antes. Os repórteres Ricardo Della Coletta e Cézar Feitoza revelaram que em maio chegou ao Brasil o almirante Alvin Holsey, chefe do Comando Sul da Marinha americana. Era a maior patente militar a vir ao Brasil desde a posse de Trump. (Sua antecessora, a general Laura Richardson, esteve no país três vezes durante o governo de Lula 3.0.)
A embaixada dos EUA chegou a informar que Holsey visitaria o Batalhão de Infantaria da Selva, em Rio Branco (AC). Sua nota à imprensa dizia:
"A visita oferece uma oportunidade de obter uma visão direta dos desafios e das ameaças presentes na região de fronteira compartilhada entre Brasil, Peru e Bolívia, especialmente aqueles relacionados ao tráfico ilegal."
A visita ao quartel saiu do ar, pois foi recusada.
Holsey convidou o ministro da Defesa, José Múcio, e os três comandantes das três Forças para um jantar no dia 20. Nenhum deles foi. O convite teria chegado na véspera, quando já tinham assumido outros compromissos. Os convidados mandaram colaboradores. O ministro da Defesa enviou o encarregado de assuntos estratégicos.
AGENDAS DIPLOMÁTICAS
Alguma coisa está acontecendo no coração da diplomacia brasileira.
Na quinta-feira (10), logo depois do anúncio das sanções contra o Brasil pelo presidente Donald Trump, o embaixador Celso Amorim, assessor especial de Lula, disse que "em mais de 60 anos de diplomacia, nunca vi nada parecido".
À tarde, o chanceler Mauro Vieira partiu para a Croácia, onde participaria do 18º Fórum de Dubrovnik. De lá foi para a Irlanda, onde ficou até a quarta-feira da semana passada. Voltou a Brasília na manhã de quinta-feira.
Os empresários erraram o alvo
Condenando a retaliação, mutilam os negociadores
Na terça-feira, o vice-presidente Geraldo Alckmin reuniu-se com um pedaço da elite do empresariado nacional em Brasília. Saindo da reunião, dois empresários condenaram as retaliações. Dias depois, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, foi claro:
"Pessoalmente, sou contra. Acho que tem que esgotar primeiro a parte negocial, e é exatamente isso que nosso governo está fazendo. Estou otimista que chegue a uma conclusão, então a gente não precisaria passar para essa outra etapa que, imagino, vai elevar ainda mais o nível de tensão e estresse na relação."
A Embraer será uma das empresas afetadas pelas sanções e o governo vem brandindo a ameaça de retaliações.
Declarações como essas sinalizam que o empresariado brasileiro não quer que o Brasil vá a mesa de negociação com a arma das retaliações no coldre. Pena, porque se essa percepção se consolidar, daqui até o início de agosto, ou enquanto durarem as conversas, os negociadores brasileiros entrarão desarmados nas reuniões.
Os empresários foram sinceros e podem ter expressado a opinião de seus pares. Atribui-se a Talleyrand (1754-1838), gênio da diplomacia francesa, a observação de que "a palavra não foi dada ao homem para expressar seu pensamento". Mais tarde ela teria sido modificada e usada pelo romancista Stendhal.
Os doutores não deveriam ter proclamado o que proclamaram, até porque se a crise das sanções chegar a outros patamares, terá o apoio das chamadas "classes produtoras".
Na quinta-feira, num discurso de retórica estudantil, Lula mostrou sua disposição de taxar as big techs americanas.
Se um negociador brasileiro for à mesa de negociação sem a arma da retaliação, quais argumentos lhe seriam oferecidos para sustentar sua posição?
Desde maio, quando o céu começou a ficar cinzento, o Planalto poderia ter alertado alguns empresários. Não há notícia de que isso tenha sido feito.
Gomes Neto, bem como vários colegas, dizem que deve-se primeiro "esgotar a parte negocial".
Ganha um fim de semana na Disney quem souber como negociar o fim das sanções associadas à exigência de Trump para que o processo contra Jair Bolsonaro termine IMEDIATAMENTE (ênfase dele). Esse estresse vem de Washington.
TRUMP E O DÉFICIT COMERCIAL
Donald Trump deveria dispensar o autor da carta que mandou a Lula anunciando as sanções contra o Brasil.
Esse çábio escreveu:
"Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de políticas tarifárias e não tarifárias do Brasil, causando esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos."
Trump não disse expressamente que os Estados Unidos têm déficit comercial com Pindorama, mas deu a entender. Ele reclamou dos déficits comerciais como um todo e "das políticas tarifárias e não tarifárias do Brasil", especificamente. O çábio misturou ardilosamente as coisas, para sugerir que Pindorama tem algo a ver com os déficits comerciais americanos. Conseguiu, colocando o presidente dos Estados Unidos na condição de mentiroso.
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