domingo, 15 de novembro de 2020

Com Tatto, PT caminha para o pior desempenho de sua história em eleições para prefeito de SP, FSP

 Artur Rodrigues

SÃO PAULO

Após governar a cidade de São Paulo três vezes e estar presente nas disputas de segundo turno, o PT deve terminar as eleições municipais paulistanas para prefeito de 2020 reduzido ao status de nanico e com sua pior participação na história.

Escolhido após o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) se recusar a disputar as eleições novamente, Jilmar Tatto chegou às vésperas da votação com 6% dos votos válidos, empatado com Arthur do Val, do Patriota, ambos atrás dos quatro primeiros colocados, segundo pesquisa Datafolha divulgada no sábado (14).

O ex-deputado federal teve a candidatura questionada desde o início pela militância e por apoiadores históricos do PT, como o cantor Chico Buarque e o escritor Leonardo Boff, que viram na figura de Guilherme Boulos (PSOL) maior chance de chegar ao segundo turno.

O líder de movimentos de moradia está em segundo lugar no Datafolha, com 17% dos votos válidos, próximo de Márcio França (14%), do PSB, e Celso Russomanno (13%), do Republicanos, enquanto Bruno Covas (PSDB) permanece bem à frente, com 37%.

Boulos conseguiu abocanhar eleitores do PT na classe média, sem, no entanto, alcançar performance semelhante na periferia, território onde o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, historicamente, goza de maior apoio.

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Nas bordas da cidade, o eleitorado começou tendo Celso Russomanno (Republicanos) como preferido e, ao longo da campanha, migrou para Covas, com a máquina a seu favor e 40% de todo o tempo de TV.

Com a maior bancada na Câmara dos Deputados, o Partido dos Trabalhadores ficou com a terceira maior fatia do horário eleitoral gratuito, o equivalente a 11% do total.

O tempo de TV e a presença de Lula nas peças não foram suficientes para melhorar a performance do ex-parlamentar e ex-secretário municipal de Transportes, protagonista da pior eleição do PT para prefeito em São Paulo de todos os tempos.

A escolha do nome do candidato expôs, desde o princípio, o clima de divisão interna na legenda, que culminou em um tumultuado processo de prévias, com trocas públicas de alfinetadas entre os concorrentes e apelo por intervenção de Lula para aparar arestas.

Com ascendência sobre a máquina do partido, Tatto reuniu a maior quantidade de apoios, mas venceu por margem apertada. Ele teve 312 votos, ante 297 do deputado federal Alexandre Padilha.

O hoje candidato detinha uma vantagem inicial, que acabou se afunilando ao longo da batalha pelo apoio dos membros dos diretórios regionais. Com isso, já na partida, ele tinha obstáculos a vencer dentro e fora de casa.

O temor de um vexame assombrava uma ala dos petistas, que, conforme mostrou a Folharecorreu a Lula na esperança de que o ex-presidente convencesse Haddad a assumir a candidatura, plano que acabou frustrado.

Desde 1988, o PT venceu as eleições, foi para o segundo turno ou ao menos terminou em segundo lugar na corrida para prefeito de São Paulo.

Em 2016, o então prefeito Haddad não conseguiu se reeleger e perdeu para João Doria (PSDB) no primeiro turno —o tucano teve 53,29% dos votos válidos, contra 16,7% do petista, o segundo colocado.

A situação que tirou Haddad do segundo turno era bem diferente. Na esteira do estrago causado pela Lava Jato e pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), a preferência pelo PT chegou a 9% no país em dezembro de 2016, segundo o Datafolha.

Atualmente, segundo a última pesquisa focada apenas em São Paulo, 19% da população têm o PT como partido predileto.

O ano de 2020 expôs ainda o isolamento da legenda na capital. Foi a primeira vez que a sigla disputou a prefeitura sozinha, sem nenhum partido coligado, o que só tinha acontecido antes em 1985.

Nem mesmo o PC do B, assíduo nas chapas petistas, embarcou na campanha de Tatto. Preferiu lançar candidatura solo, com o deputado federal Orlando Silva.

Embora a possibilidade de derrota seja tratada ainda com reserva por líderes do partido, o discurso que se desenha para essa hipótese é o de que o PT sairá desta eleição com uma vitória política, apesar do malogro na esfera eleitoral.

Na quinta-feira (12), falando a jornalistas nos bastidores do debate promovido pela TV Cultura, Tatto afirmou que foi bem recebido por onde passou e percebeu um clima diferente do das campanhas de 2018 e 2016, em que o lavajatismo e o impeachment da presidente Dilma Rousseff dominavam a pauta.

"Olha, eu sei a diferença [entre esta e as outras campanhas]. O povo fala do PT, quer o PT de volta, e o 13 está muito forte", afirmou na ocasião.

"O saldo positivo, já neste momento da campanha, é que a rejeição do PT diminuiu. A percepção, não só minha, mas também dos candidatos a vereador e dos militantes, é que [melhorou] a aceitação do PT, principalmente na periferia."

Líder do PT na Câmara, o vereador Alfredinho afirma que em 2016 era possível sentir a hostilidade da população na rua. Agora, disse ele à Folha, a situação é outra.

“O povo está no recebendo com muita educação, a maioria dando sinal de positivo. Claro que tem uns raivosos de direita e extrema direita”, afirma. Por isso, sustenta que acredita que Tatto ainda chegue ao segundo turno.

Falando extraoficialmente, porém, outros petistas afirmam que a derrota de Tatto era previsível desde o começo. Candidato ao Senado em 2018, ele terminou em sétimo lugar, com 6% dos votos.

O PT ficou sem opções para a prefeitura quando o ex-prefeito Haddad —que assumiu a candidatura nacional em 2018 com o impedimento de Lula e perdeu no segundo turno para o presidente Jair Bolsonaro— se recusou a concorrer novamente na capital.

Consolidada a escolha de Tatto, veio uma segunda novela: a definição do vice na chapa, ou da vice, como era a preferência desde o começo. A orientação era encontrar alguém cujo perfil empolgasse a militância e ampliasse o alcance da candidatura, com um aceno ao feminismo e à valorização da periferia.

Um dos primeiros nomes aventados foi o da professora e ex-primeira-dama Ana Estela Haddad, que acabou declinando da proposta. Outras mulheres foram sondadas ao longo de quatro meses e foram, uma a uma, saindo do páreo.

O impasse só se resolveu na última hora, no limite do prazo imposto pela Justiça Eleitoral para o registro de vice, e terminou longe da proposta inicial. O escolhido foi um homem, o deputado federal Carlos Zarattini (SP).

O deputado, que estava relutante, aceitou o convite, especialmente após um pedido de Lula. Zarattini havia se inscrito nas prévias internas que escolheram Tatto candidato e deixou diferenças de lado para se unir ao ex-rival e dar um peso político à candidatura.

Com o mau desempenho de Tatto na corrida, durante toda a campanha houve insistência para que ele abandonasse a disputa e apoiasse Boulos, com objetivo de ajudar a esquerda a chegar ao segundo turno.

Apesar das pressões, os dois mantiveram um comportamento público de cordialidade, recusando-se a trocar críticas e dizendo que militam na mesma trincheira e têm um inimigo em comum, a direita, personificada nas duplas Covas-Doria e Russomanno-Bolsonaro.

Recentemente, um manifesto que defendeu a união da esquerda em torno de Benedita da Silva (PT), no Rio, e Boulos em São Paulo. O documento foi assinado por personalidades historicamente ligadas ao PT, como o cientista político André Singer, a economista Leda Paulani e o ator Antônio Grassi.

O discurso do voto útil e investidas petistas fizeram, inclusive, lideranças do PT em São Paulo se irritarem com Boulos. Segundo integrantes do partido, o PSOL já teria até pedido apoio a lideranças petistas. Posteriormente, integrantes de ambas as siglas disseram que as arestas foram aparadas e que os partidos se apoiarão num eventual segundo turno.

Vereadores pelo partido afirmam estar confiantes de que a performance de Tatto não irá prejudicá-los. Isso porque há alguns com público cativo e puxadores de votos, como Eduardo Suplicy, além de outros com uma base territorial muito forte, principalmente no extremo sul da capital.

Nas últimas eleições, foram eleitos nove vereadores petistas, apenas dois a menos que o PSDB, que teve o maior número de parlamentares. Para as eleições atuais, a projeção é que fique entre 7 e 11 vereadores.

PESQUISA

A campanha de Russomanno tentou suspender a divulgação da pesquisa Datafolha deste sábado (14), mas teve seu pedido negado na sexta (13) pelo juiz Marco Antonio Martin Vargas, que autorizou a publicação e determinou a inclusão de informações relacionadas à amostragem.

Os entrevistados pelo Datafolha foram estratificados conforme variáveis de gênero e faixa etária do eleitorado, em tamanho proporcional a esses segmentos e às regiões da cidade. O nível econômico reflete o que os pesquisadores encontraram na amostra. Em relação ao grau de instrução, a amostra contemplou a seguinte divisão: até nível fundamental e médio (67%) e nível superior (33%).

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS Por que as democracias não crescem?, FSP

 Norberto Bobbio, em seu livro “A Teoria das Formas de Governo”, lembra que o termo democracia “tem, de modo geral, nos grandes pensadores políticos, uma acepção negativa, de mau governo” (pág. 33; editora Universidade de Brasília, 1976). Após citar Otanes, Dario, Heródoto e Aristóteles, e lastreando-se em crítica a Megabises sobre a distinção de governos monárquicos e populares, conclui Bobbio: “Essa comparação nos dá um exemplo claro da gradação das Constituições, boas ou más, de que falei na introdução (não há governos bons ou maus, mas governos melhores ou piores do que os outros”; págs. 34 e 35). É que “democracia” —governo do povo (“demos”), para os autores clássicos— era um regime pior que a “politia”, governo da cidade (“polis”).

Quando presidi o “Gabinete de Estudos sobre o Amanhã”, em 1979, escrevi para o livro daquela instituição, editado pela Resenha Universitária e intitulado “Ano 2000”, um estudo sobre “a legitimidade do poder e uma teoria de alcance” —tema que retornei em meus livros “Uma Breve Introdução ao Direito” e “Uma Breve Teoria do Poder”.

O jurista e professor Ives Gandra da Silva Martins - Mathilde Missioneiro - 6.set.19/Folhapress

A rigor, no mundo inteiro, vivemos apenas uma “democracia de acesso”; isto é, os países em que o povo escolhe seus dirigentes, mas estes, quando eleitos, fazem o que bem entendem, pois suas promessas eleitorais, como dizia o saudoso Roberto Campos, comprometem apenas os que as ouvem.
Estamos ainda longe de uma real democracia no planeta, sendo que Steven Levitsky e Daniel Ziblatt poderiam melhor intitular seu livro —de “Como as Democracias Morrem” para “Porque as Democracias Não Crescem”.

Brasil, Estados Unidos, França, Inglaterra, Áustria e inúmeros outros países vivem uma crise democrática que é uma crise de legitimidade, visto que neles as ideologias, que são a corruptela das ideias, vicejam, tornando os adversários políticos inimigos figadais, pois utilizam-se do populismo para a conquista ou manutenção do poder.

Aqui, o “princípio da eficiência”, do artigo 37 da Constituição Federal (CF), é substituído pelo “princípio do amigo”, valorizando-se a “teoria das oposições” de Carl Schmitt, o qual declarava que “a ciência política é a ciência que estuda a oposição entre o amigo e o inimigo”.

É de se perguntar se a Suprema Corte, que não representa o povo, mas a lei (artigo 102 da CF), pode mudar o direito positivo ou fazer a lei que a Constituição declara que cabe ao Congresso fazer —ou, em casos excepcionais, à Presidência da República.

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É de se perguntar se o Congresso, que deve zelar por sua competência normativa perante os outros Poderes (artigo 49, inciso XI), tem exercido esta função, como representante do povo, ou tem se omitido, permitindo que o Poder Judiciário aja em seu lugar.

É de se perguntar se o Poder Executivo tem sido fiel aos compromissos de campanha.
Não discuto neste artigo, até porque não privo da intimidade dos condutores dos Três Poderes, a idoneidade e a competência dos que estão à frente deles; dois representantes do povo e um apenas da lei, razão pela qual está em último lugar no Título IV da Constituição.

O que discuto é se realmente a democracia brasileira não seria uma mera democracia de acesso, com o povo sendo chamado para as eleições, mas com pouquíssima influência, após eleitos seus representantes, na condução dos destinos do país, considerando-se, os detentores dos Três Poderes pouco harmônicos e mal independentes, terem mandato dos deuses e não da sociedade, razão pela qual seriam livres para o exercício do poder sem limitações.

Creio ainda estarmos longe de uma verdadeira democracia, “em que todo o poder emanaria do povo” (artigo 1°, parágrafo único, da Constituição Federal).