terça-feira, 15 de setembro de 2020

Alvaro Costa e Silva Pelé não é o Pantera Negra, FSP

 Meninos, vi Pelé no Maracanã. Uma vitória do Santos sobre o Botafogo, 3 a 0, em 1974. Aos 33 anos, ele comeu a bola, deixou o seu, ajudou Edu e Nenê a fazer os outros, provando que poderia ter ido ao Mundial da Alemanha disputado naquele ano. Foi como se o rei do futebol soubesse que aquele garoto embasbacado estava na arquibancada só para vê-lo. Saí feliz do estádio, o único dia em que isso aconteceu depois de uma derrota do meu time.

Daqui a pouco, no dia 23 de outubro, Pelé fará 80 anos. Confesso que esperava mais barulho, desde já, em torno da data redonda. Claro que não faltarão homenagens mil (ou 1.281, uma para cada gol marcado). O Museu do Futebol, em São Paulo, está preparando uma exposição, totalmente audiovisual, para atrair um público mais jovem. Não queria estar na pele do curador Gringo Cardia, que terá de selecionar fotos e vídeos com gols, dribles, passes, arrancadas, socos no ar.

Mas hoje a tabelinha entre Pelé e o Brasil já não funciona tão bem. Para as novas gerações, Messi (craque contra o qual pesa o fato de não ter conquistado uma Copa do Mundo para a Argentina; o brasileiro ganhou três) e Maradona ocupariam degraus acima dele na galeria dos maiores deuses da bola. “Pão ou pães, é questão de opiniães”, diria Riobaldo —e não há espaço aqui para entrar nessa discussão infinita.

Outros gostariam que Pelé, ao longo da carreira, tivesse tomado atitudes como as de John Carlos e Tommie Smith no pódio na Olimpíada do México, em 1968: punhos fechados contra o racismo. Não adianta: Pelé não é o Pantera Negra. Ou qualquer outro super-herói: está doente, recluso, enfrentando um problema crônico nos quadris.

escritor João Antônio costumava dizer que “Pelé, a gente admira; Garrincha, a gente ama”. Talvez. O que sei é que me sinto meio triste, como se o rei não tivesse jogado nada diante do meu time.

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Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Cristina Serra Lula não pode ser 'cancelado', FSP

 No vídeo que gravou para as redes sociais no dia da Independência, Lula deu a partida para 2022. O ex-presidente percebeu a movimentação do adversário no terreno que lhe é (ou era ?) favorável, o Nordeste. E está ciente das agruras do PT em ter candidatos competitivos e/ou estabelecer alianças para as eleições municipais que se aproximam.

É muito difícil saber, hoje, se o petista conseguirá candidatar-se a qualquer cargo que seja, considerando a corrida de obstáculos nos tribunais. Um dos maiores entraves é o julgamento do pedido de suspeição de Sergio Moro, o juiz-acusador que o tirou do jogo na eleição de 2018 e virou ministro da “justiça” da extrema direita violenta que nos governa.

Lula faz pronunciamento no dia 7 de Setembro - Lula no youtube

O julgamento sobre a suspeição de Moro na Segunda Turma do STF começou em dezembro de 2018 e empacou no “perdido de vista” feito por Gilmar Mendes. O desfecho afigura-se imprevisível com a aposentadoria do ministro Celso de Mello daqui a mês e meio.

Passados quase dois anos de um governo que afronta a democracia dia sim, outro também, não deixa de surpreender que tenha vindo do ministro Edson Fachin a constatação de que a candidatura de Lula em 2018 teria “feito bem à democracia”. A postulação foi barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral com base na lei da Ficha Limpa porque Lula já havia sido condenado em segunda instância no caso do tríplex.

O PT ganhou quatro das oito eleições para presidente desde a redemocratização e ficou em segundo lugar nas outras quatro. Em 2018, recebeu 47 milhões de votos.

Independentemente das convicções e afinidades políticas de cada um de nós, é preciso reconhecer que um partido com essa representatividade não pode ser excluído do debate público. E Lula não pode ser “cancelado”. A esparrela dos “dois extremos” é uma trapaça informativa e cognitiva sobre a qual parte relevante da imprensa brasileira precisa fazer autocrítica.

Lula está de volta. E isso é uma boa notícia para a democracia.

Hélio Schwartsman Vida em Vênus?, FSP

Nas ficções científicas e nas telas, a descoberta de vida extraterrestre costuma ser retratada de forma épica, através de primeiros contatos com formas de vida exuberantes, frequentemente marcados por ameaças existenciais contra nossa espécie. “Klaatu barada nikto” (os cinéfilos entenderão a referência).

O mundo real tende a ser menos dramático. O anúncio de que uma molécula detectada em Vênus traz marcas de vida microbiana, em que pese a possibilidade de conter a resposta para uma questão fundamental, que é saber que não estamos sós no Universo, gera uma situação bem menos romântica.

Cientistas passarão os próximos meses e anos bolando teorias que expliquem o surgimento de fosfina por processos não biológicos que poderiam ocorrer na química venusiana. Se tiverem êxito, a hipótese de termos detectado vida sai enfraquecida; se não tiverem, é corroborada.

Concepção artística da superfície e atmosfera de Vênus - ESO/M. Kornmesser

Quem gosta de respostas mais assertivas terá de esperar. Em cinco ou dez anos, alguma potência espacial enviará uma sonda a Vênus, com o objetivo de analisar amostras de nuvens que possam conter indícios mais diretos. Se tivermos muita sorte, encontrarão um venusianozinho.

Mesmo que não encontremos nada, não haverá motivos para abalar a crença de que a vida microbiana é abundante no Universo. Afinal, os elementos e as reações que possibilitaram seu surgimento na Terra estão presentes em toda parte.

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E quanto à vida inteligente? Aí complica. Como mostrou Peter Ward, a ocorrência de vida multicelular depende não só de química, mas de uma combinação de fatores astrofísicos e geológicos que tende a torná-la muito mais rara.

No nosso caso, incluíram um eixo de inclinação de 23,5 graus; campo magnético; placas tectônicas; uma lua maciça; e até a proximidade com Júpiter, que funciona como um aspirador de pó espacial, evitando que corpos celestes errantes se choquem contra nós. Tiramos o bilhete premiado.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".