sábado, 13 de junho de 2020

O plano da renda mínima, Celso Ming, O Estado de S.Paulo


13 de junho de 2020 | 11h37

A pandemia amplificou um debate que já ganhava corpo: o da necessidade de que o Estado passe a garantir uma renda mínima para a população mais pobre.

Essa deixou de ser apenas uma proposta de política social. Com o desemprego crônico agora agravado pelo crescimento da automação e das tecnologias digitais, o próprio sistema capitalista parece interessado em que se propicie um mercado mínimo de consumo que seja capaz de dar sustentação às empresas.

Agora, é o ministro da Economia, Paulo Guedes, grão-sacerdote do liberalismo econômico, que acaba de anunciar o programa Renda Brasil, ainda em estudos pelo governo.

No momento, o impulsionador do debate foi a implementação do Auxílio Emergencial, lançado pelo governo federal em abril para amparar a população que, de repente, ficou sem emprego, sem ocupação e sem renda, em consequência da suspensão de grande parte da atividade econômica e do isolamento social adotados para contra-atacar o vírus.

Fila para o Auxílio Emergencial
Fila nas portas da Caixa Econômica Federal se formaram para receber o Auxílio Emergencial, anunciado pelo governo federal para combater a crise econômica causada pelo novo coronavírus Foto: Wilton Junior/Estadão - 27/4/2020

“O Auxílio Emergencial não é um programa de renda básica, mas abriu uma fresta para um projeto mais ambicioso. Muita gente percebeu que esta não é uma ideia maluca. Podem-se definir projetos que caibam no orçamento e que não afrontem os princípios de responsabilidade fiscal e social”, afirma a economista do Peterson Institute e colunista do EstadãoMonica de Bolle

Com base em estudos elaborados por vários institutos, De Bolle defende uma proposta, ainda em fase embrionária, que procura atender famílias com crianças de zero a seis anos, com o pagamento de meio salário mínimo por mês. O objetivo declarado é reduzir a desigualdade e atacar a instabilidade dos trabalhadores informais, que oscilam entre uma ocupação e outra, sem garantia de renda. A ideia é similar ao programa Bolsa Família, que paga um benefício médio de R$ 180 por criança até os 18 anos, desde que sejam preenchidas certas condições de escolaridade.

Mas a professora De Bolle avisa que o Bolsa Família não pode ser substituído ou incorporado ao programa de renda mínima, como parece pretender o ministro da Economia. “A gente precisa complementar essa rede de proteção para alcançar as pessoas que não cumprem os requisitos do Bolsa Família”, defende. Ela garante que se pode evitar a duplicidade de pagamentos, na medida em que as famílias mais pobres teriam de escolher entre receber meio salário mínimo por um período mais curto ou receber menos, mas com a garantia de que a criança estaria assistida até a idade adulta.

Essa proposta exigiria dispêndio equivalente a 1,5% do PIB brasileiro e implicaria a aprovação de uma minirreforma tributária que incluísse o fim das deduções do Imposto de Renda (sem impacto para as famílias com renda mínima) e a tributação de dividendos. Para De Bolle, o programa é sustentável, já que é favorecido pelas mudanças da demografia brasileira, que vem aumentando a população idosa e reduzindo a natalidade.

Renda Básica da Cidadania

O economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), defende um plano mais abrangente que extingue o Bolsa Família e outros programas sociais e cria uma renda mínima (a tal da Renda Básica da Cidadania) de pelo menos R$ 142 para crianças, jovens, trabalhadores informais e idosos não beneficiados pelo regime de aposentadoria. O custo é bem mais alto: de nada menos que 3,9% do PIB (R$ 265 bilhões, a preços de 2018). Ele propõe que essas despesas sejam cobertas com receitas de um imposto sobre grandes fortunas, fim dos subsídios à iniciativa privada e imposição de um teto aos vencimentos do funcionalismo público, de modo a acabar com acréscimos nos salários.

Para a vice-presidente da Rede Brasileira da Renda Básica, Tatiana Roque, a instituição de uma renda básica significaria “democratizar a segurança financeira”, algo que hoje beneficia apenas pessoas que desfrutam do regime formal de trabalho. Seria também a oportunidade de que o Estado passe a investir na qualificação dos jovens, que não precisariam abandonar os estudos para ajudar a família. Em última instância, a renda básica deve oferecer proteção num momento em que a automação destruirá muitos postos de trabalho.

Roque aponta a Islândia e a Finlândia como países que já experimentaram um sistema de renda básica, ainda que em escala ou tempo reduzidos. A Espanha, na semana passada, aprovou um projeto de renda universal, enquanto outros países europeus discutem iniciativas semelhantes.

O principal obstáculo continua sendo a insuficiência de recursos, num momento em que o Tesouro está quebrado e a dívida pública brasileira ameaça saltar para níveis próximos dos 100% do PIB. / COM GUILHERME GUERRA


Rodrigo Zeidan Liberais de quermesse, FSP

Achar que o porte de arma protege a família de assalto é um sonho sem sentido

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"Reze por mim." Segurando meu braço, esse foi o último pedido do meu tio, numa cama de hospital depois de ser baleado em uma tentativa de assalto no Rio de Janeiro. Infelizmente, ele não resistiu e ainda levou minha avó junto, pois ela, que tinha diabetes, simplesmente parou de se cuidar, desesperada por perder seu filho de forma tão brutal.

Quando o presidente diz "eu quero todo o mundo armado", ele semeia o caos e a morte. A ciência é clara: no contexto brasileiro, cada medida que facilita compra e uso de armas resulta em aumento de homicídios e suicídios. O estatuto do desarmamento está sendo corroído pouco a pouco, e, se o número de homicídios é um absurdo hoje, seria ainda maior caso o estatuto não estivesse em vigor.

Schneider (2019) encontra que a entrada em vigor do estatuto, em 2003, reduziu o número de homicídios por armas de fogo em 12,2%. Mas o autor talvez encontra a razão pela qual o governo não se importe muito com esses dados. A maior redução é nas áreas de maior criminalidade e entre jovens negros.

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O presidente Jair Bolsonaro assina decreto para facilitar o acesso a armas em cerimônia no Palácio do Planalto, em maio de 2019 - Pedro Ladeira - 7.mai.2019/Folhapress

Duas semanas depois de assumir o cargo, o presidente assinou decreto para facilitar a aquisição e o registro de armas. Em maio de 2019, outro decreto ampliou o porte de armas em todo o país (em junho, ele foi revisado).

Não satisfeito, em abril deste ano, o presidente pressionou o Exército a revogar três portarias de controle de armas. Essas portarias dificultavam acesso do crime organizado a armas e munições desviadas de quartéis. O governo também chegou a permitir que civis comprassem até 5.000 munições, por mês, para suas armas.

Facilitar a compra de armas também contribui para aumentar significativamente o número de suicídios. Em estudo de Studdert e coautores, homens que têm uma arma são oito vezes mais propensos a se suicidar, e mulheres, 35 vezes mais.

A visão do liberal de quermesse no qual o porte de uma arma protege a família de qualquer possível assalto é um sonho sem sentido, fruto de ver muitos filmes de faroeste na infância. Vários estudos mostram que ter uma arma aumenta a probabilidade de uma pessoa morrer em um incidente violento e diminui a chance de resolver o incidente, sem nenhum dano, material ou físico.

Nos últimos 20 anos, foram mais de 1 milhão de homicídios no Brasil. A história da minha família está longe de ser a única. A redução da violência passa, entre outras medidas, por um controle estrito das armas de fogo no país. É o contrário do que o presidente do Brasil pretende e tem feito como medida de política pública.

Toda a evidência científica aponta que a desregulamentação, mesmo que parcial, do uso de armas de fogo vai trazer uma consequência trágica para a nossa sociedade: o número de homicídios vai disparar.

A única consequência ruim do maior controle de armar é que a redução do número de homicídios diminui a quantidade de órgãos disponíveis para transplante. Convenhamos, não é esse o objetivo de política pública.

Temos que combater a ideia de que um indivíduo armado está mais protegido. Em raros casos, até acontece. Mas o mais comum é que alguém armado se torne um criminoso em potencial, usando a arma em uma discussão de trânsito, violência doméstica, ou mesmo na festa do bairro. São pouquíssimas as pessoas que realmente têm o treinamento para andar armadas e se proteger.

Cada arma nas ruas é um aumento no número de assassinatos no Brasil. Vamos pagar por esse governo com as nossas vidas

Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em