domingo, 14 de junho de 2020

Hélio Schwartsman Covid-19 é um rinoceronte cinza, já que era totalmente previsível, FSp

Infectologistas apontavam que era questão de tempo até que uma pandemia viral nos atingisse

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Até o final do século 17, europeus, inspirados por versos do poeta Juvenal, usavam a expressão “cisne negro” para designar uma impossibilidade. Todos os cisnes até então avistados eram brancos.

Não foi sem assombro, portanto, que descobriram, a partir de relatos de exploradores, que havia cisnes negros na Austrália. O termo passou, então, a designar a falácia lógica da generalização apressada e, de maneira menos técnica, eventos surpreendentes.

Mais recentemente, o escritor Nassim Taleb popularizou a noção de cisne negro como um acontecimento raro, de enormes consequências e que não foi previsto pelos especialistas. Exemplos de cisnes negros incluem a dissolução da URSS, o surgimento da internet e o 11 de Setembro.

A Covid-19 entra nessa lista? Penso que não. Taleb também. Ele prefere chamá-la de rinoceronte cinza, já que era totalmente previsível. Com efeito, infectologistas afirmavam havia décadas que era uma questão de tempo até que uma pandemia viral nos atingisse em cheio. Havia dúvidas em relação ao “quando”, mas não quanto ao “se”.

Há outros rinocerontes cinza. Sabemos que um dia um megaterremoto vai devastar cidades da costa oeste dos EUA, mas, ainda assim, milhões de pessoas vivem nelas tranquilamente. Sabemos que, se não usarmos antibióticos com mais sabedoria, logo teremos um gigantesco problema com bactérias resistentes. Sabemos que o aquecimento global é uma realidade.

Por que não fazemos tudo o que está a nosso alcance para evitar desastres previstos? Eu receio que o conhecimento intelectual, que é o que a ciência é capaz de oferecer, não seja um grande motivador.

Nossos cérebros, afinal, são pré-científicos. É só ver que temos um medo irracional de cobras, que não matam quase ninguém em ambientes urbanos, mas não nos incomodamos em pular o exercício nem em comer além da conta, que respondem por um bom pedaço dos óbitos modernos.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

sábado, 13 de junho de 2020

Quem são os 30%? Bernardo de Vito Schneider*, OESP


12 de junho de 2020 | 02h00

Bernardo de Vito Schneider. FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Em 30 de maio surgia o movimento “Somos 70%”, idealizado principalmente pelo economista Eduardo Moreira, mexendo com a base de apoio de Bolsonaro, que começou a efetuar mil e um cálculos para tentar deslegitimar o movimento. O problema, como sempre, é que o bolsonarismo não compreende o cerne das questões, apenas a superficialidade, e isso reflete no governo federal. O número em si é o que menos importa nesse caso, mas sim a ideia de que Bolsonaro não é idolatrado pela maioria do povo brasileiro. Mas, ao meu ver, mais importante ainda é fazer a pergunta: quem são os 30%? Novamente, a questão aqui não é o número e sim a ideia, que precisa ser deixada muito clara para essa parcela da sociedade brasileira, de que defenderemos a democracia e quem não o fizer se assume como lesa-pátria.

Precisamos dar nome aos bois, não apenas chama-los de gado. Essas pessoas, por seus próprios interesses e ambições, estão concordando em número e grau com o bolsonarismo (que insisto em dizer que deve ser entendido como um fenômeno próprio e não como um ressurgimento de um movimento passado, mas que possui sim diversas convergências com todo tipo de megalomania, do fascismo à supremacia branca). Luciano Hang, da Havan, está de acordo com Bolsonaro (inclusive recentemente o incentivou a omitir dados sobre a Covid-19), pois bem, não compre mais nada em seus templos de idolatria ao imperialismo estadunidense. Silvio Santos, do SBT, está de acordo com Bolsonaro, pois bem, não dê mais audiência a nenhum de seus programas. Valdemar Costa Neto, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e Roberto Jefferson, presidente do PTB, condenado pela mesma razão, estão de acordo com Bolsonaro. Os deputados federais Wellington Roberto e Soraya Santos, ambos do PL, estão de acordo com Bolsonaro. Marco Bertaiolli e Diego Andrade, ambos deputados federais do PSD, estão de acordo com Bolsonaro. O senador Ciro Nogueira, do PP, e o deputado federal Arthur Lira, também do PP, estão com Bolsonaro. Além disso, estão com ele também integrantes do DEM, do MDB e do Republicanos. Pois bem, não os reelejam. O Grupo Record e a Igreja Universal, ambos do Edir Macedo, e o Silas Malafaia estão de acordo com Bolsonaro, pois bem, cabe decidir se é sábio continuar compactuando com estes e suas organizações.

Eles podem não ser a maioria, mas, ainda assim, dentro desses 30% há muitas pessoas influentes. Contudo, tais pessoas precisam entender muito claramente o que significa estar de acordo com Bolsonaro, para que depois não venham reclamar ou tentar alegar inocência. Estar de acordo com Bolsonaro nesse momento é não estar sensibilizado com a dor de quase 40 mil famílias brasileiras, é concordar com a política econômica de Paulo Guedes de priorizar o alto empresariado ao invés das pequenas empresas (que são as maiores geradoras de empregos), é aplaudir a politização de um remédio sendo que esta discussão deveria estar sendo feita por médicos e cientistas, é legitimar fake news que vão desde caixões vazios até o “plano chinês de dominação mundial”, é concordar com o fechamento do Congresso e do STF, é clamar por uma intervenção militar, etc, etc, etc. Não há mais tempo para meios termos, é preciso separar o trigo do joio, ou se é democrata ou se é traidor da democracia. Por isso, proponho: arrependam-se enquanto é tempo. Caso contrário, preparem-se para um basta, pois estamos atentos a quem está na trincheira do inimigo.

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Por fim, faço um adendo a alguns ardorosos lulopetistas: não penso que Ciro Gomes, ao dizer que “quem não vier é traidor”, tenha mandado um recado ao Lula ou ao PT, mas o afobamento em responder é tanto que acabam por evidenciar cada vez mais que preferem se aproximar do problema do que da solução. Lula segue sendo o presidente mais importante da história do Brasil, mas se apequena ao se autocensurar do jornal O Globo. Os tempos já estão suficientemente difíceis e sombrios para termos que lidar com mais egos feridos. Infelizmente, o vírus da vaidade presente no lulopetismo, que sempre destruiu e destrói até hoje as reputações de quem deles discordar, como no caso da corajosa Heloísa Helena, parece ter contagiado até mesmo a Fernando Haddad, por quem tenho profundo respeito, mas que parece ter perdido a sensatez de outrora. Espantei-me ao vê-lo reclamar por não ter sido chamado para uma entrevista na GloboNews (sendo que sua última participação no canal ocorreu no mês passado) e declarar que entre esse canal e a CNN, prefere a “tv” relacionada ao seu partido. Pelo visto, o PT segue e seguirá no fundo abissal de sua própria narrativa, entre lulas e bivalves. Essa narrativa, comprovadamente falida desde 2018, tem sido inconsequentemente reavivada por alguns membros da esquerda. Porém, mais do que nunca, é urgente que nosso povo assimile que Bolsonaro precisa de Lula tanto quanto Lula precisa de Bolsonaro, é uma relação mutualista, porém parasitária para o país. A vacina ou o tratamento para ambos é o mesmo, a emancipação do povo brasileiro.

*Bernardo de Vito Schneider, biólogo e pedagogo

O plano da renda mínima, Celso Ming, O Estado de S.Paulo


13 de junho de 2020 | 11h37

A pandemia amplificou um debate que já ganhava corpo: o da necessidade de que o Estado passe a garantir uma renda mínima para a população mais pobre.

Essa deixou de ser apenas uma proposta de política social. Com o desemprego crônico agora agravado pelo crescimento da automação e das tecnologias digitais, o próprio sistema capitalista parece interessado em que se propicie um mercado mínimo de consumo que seja capaz de dar sustentação às empresas.

Agora, é o ministro da Economia, Paulo Guedes, grão-sacerdote do liberalismo econômico, que acaba de anunciar o programa Renda Brasil, ainda em estudos pelo governo.

No momento, o impulsionador do debate foi a implementação do Auxílio Emergencial, lançado pelo governo federal em abril para amparar a população que, de repente, ficou sem emprego, sem ocupação e sem renda, em consequência da suspensão de grande parte da atividade econômica e do isolamento social adotados para contra-atacar o vírus.

Fila para o Auxílio Emergencial
Fila nas portas da Caixa Econômica Federal se formaram para receber o Auxílio Emergencial, anunciado pelo governo federal para combater a crise econômica causada pelo novo coronavírus Foto: Wilton Junior/Estadão - 27/4/2020

“O Auxílio Emergencial não é um programa de renda básica, mas abriu uma fresta para um projeto mais ambicioso. Muita gente percebeu que esta não é uma ideia maluca. Podem-se definir projetos que caibam no orçamento e que não afrontem os princípios de responsabilidade fiscal e social”, afirma a economista do Peterson Institute e colunista do EstadãoMonica de Bolle

Com base em estudos elaborados por vários institutos, De Bolle defende uma proposta, ainda em fase embrionária, que procura atender famílias com crianças de zero a seis anos, com o pagamento de meio salário mínimo por mês. O objetivo declarado é reduzir a desigualdade e atacar a instabilidade dos trabalhadores informais, que oscilam entre uma ocupação e outra, sem garantia de renda. A ideia é similar ao programa Bolsa Família, que paga um benefício médio de R$ 180 por criança até os 18 anos, desde que sejam preenchidas certas condições de escolaridade.

Mas a professora De Bolle avisa que o Bolsa Família não pode ser substituído ou incorporado ao programa de renda mínima, como parece pretender o ministro da Economia. “A gente precisa complementar essa rede de proteção para alcançar as pessoas que não cumprem os requisitos do Bolsa Família”, defende. Ela garante que se pode evitar a duplicidade de pagamentos, na medida em que as famílias mais pobres teriam de escolher entre receber meio salário mínimo por um período mais curto ou receber menos, mas com a garantia de que a criança estaria assistida até a idade adulta.

Essa proposta exigiria dispêndio equivalente a 1,5% do PIB brasileiro e implicaria a aprovação de uma minirreforma tributária que incluísse o fim das deduções do Imposto de Renda (sem impacto para as famílias com renda mínima) e a tributação de dividendos. Para De Bolle, o programa é sustentável, já que é favorecido pelas mudanças da demografia brasileira, que vem aumentando a população idosa e reduzindo a natalidade.

Renda Básica da Cidadania

O economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), defende um plano mais abrangente que extingue o Bolsa Família e outros programas sociais e cria uma renda mínima (a tal da Renda Básica da Cidadania) de pelo menos R$ 142 para crianças, jovens, trabalhadores informais e idosos não beneficiados pelo regime de aposentadoria. O custo é bem mais alto: de nada menos que 3,9% do PIB (R$ 265 bilhões, a preços de 2018). Ele propõe que essas despesas sejam cobertas com receitas de um imposto sobre grandes fortunas, fim dos subsídios à iniciativa privada e imposição de um teto aos vencimentos do funcionalismo público, de modo a acabar com acréscimos nos salários.

Para a vice-presidente da Rede Brasileira da Renda Básica, Tatiana Roque, a instituição de uma renda básica significaria “democratizar a segurança financeira”, algo que hoje beneficia apenas pessoas que desfrutam do regime formal de trabalho. Seria também a oportunidade de que o Estado passe a investir na qualificação dos jovens, que não precisariam abandonar os estudos para ajudar a família. Em última instância, a renda básica deve oferecer proteção num momento em que a automação destruirá muitos postos de trabalho.

Roque aponta a Islândia e a Finlândia como países que já experimentaram um sistema de renda básica, ainda que em escala ou tempo reduzidos. A Espanha, na semana passada, aprovou um projeto de renda universal, enquanto outros países europeus discutem iniciativas semelhantes.

O principal obstáculo continua sendo a insuficiência de recursos, num momento em que o Tesouro está quebrado e a dívida pública brasileira ameaça saltar para níveis próximos dos 100% do PIB. / COM GUILHERME GUERRA