domingo, 7 de junho de 2020

Elio Gaspari Como o vírus, preconceitos são transmissíveis e estão por aí, do Central Park a Alphaville, FSP

Tanto Amy Cooper como Ivan Storel vocalizaram preconceitos: ela, de cor, ele, de classe

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Adiante vão duas cenas dos últimos dias. Uma aconteceu no Central Park, em Nova York. A outra no bairro de Alphaville, em São Paulo (R$ 5.700 por metro quadrado).

25 de maio: Amy Cooper, com MBA pela Universidade de Chicago, chefe do setor de seguros de uma firma de investimentos (US$ 70 mil anuais), passeava com seu cachorro, solto, pelo parque. Christian Cooper (nenhum parentesco) disse-lhe que devia prender a coleira do bicho.

Negro, ele tinha um binóculo e observava os passarinhos. Ela se descontrolou, sacou o celular e chamou a polícia, dizendo que “um afro-americano está ameaçando minha vida”. Christian diplomou-se por Harvard em ciência política. Também sacou o celular e gravou a cena. (O vídeo seria visto por 40 milhões de pessoas.)

No dia 28 Amy foi demitida. Desculpou-se, mas Christian recusou-se a encontrá-la.

Nesse mesmo dia o cabo Edson, da PM paulista, foi enviado a uma casa de Alphaville, atendendo a uma denúncia de violência doméstica. Enquanto conversava com a mulher, apareceu o marido, o joalheiro Ivan Storel. Em bolsonarês castiço, que repeliu o cabo:

“Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano”,

“Eu ganho R$ 300 mil por mês”, “Você é um merda de um PM que ganha R$ 1 mil”, “Tenho uns 50 caras pra enfrentar você.”

Uma policial (que também foi insultada) registrou a cena.

Seis dias depois, Storel gravou um vídeo, reconheceu seu erro, revelou que está em tratamento psiquiátrico e que agiu sob o efeito de álcool e remédios. Disse que se envolveu “numa polêmica” com a polícia e pediu “perdão” a todos os policiais, inclusive aos que ofendeu.

Fica combinado assim. Tanto Amy Cooper como Ivan Storel vocalizaram preconceitos. Ela, de cor. Ele, de classe. Como o vírus, são preconceitos transmissíveis e estão por aí.

Entrevistado no programa de Fátima Bernardes, o cabo Edson mostrou-se surpreso pela viralização do vídeo e revelou que “não quis mostrar para a minha esposa e nem para os meus filhos porque não sabia como ia ser a reação deles”.

Intervenção militar

Num país com os mortos da Covid passando de 30 mil, mais de 12 milhões de desempregados, numa recessão histórica, “lunáticos” (palavras de Gilmar Mendes) falam em intervenção militar.

Tudo bem, mas vale lembrar uma cena ocorrida há alguns anos em Brasília.

Um çábio defendia seu projeto e tirou da manga o que supunha ser um grande argumento:

“Se fizermos isso, o Paraguai fica na nossa mão”.

Respondeu-lhe um sábio:

“E você faz o que com ele?”

Cansaço

Se o ministro da Educassão reclamar de cansaço e pedir para ir embora, seu motivo será entendido.

Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Hélio Schwartsman Quão essencial é a religião?, FSp

Questionamento pode ser respondido sob diversas perspectivas

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SÃO PAULO

Um dos itens que sempre provocam polêmica quando se discute o cronograma de reabertura são as igrejas. Quão essencial é a religião?

A pergunta pode ser respondida sob diversas perspectivas. Num plano mais teológico, supondo que exista mesmo uma entidade onisciente, benevolente e que faça questão de ser adorada por humanos, ela certamente compreenderá o momento de excepcionalidade pandêmica que vivemos e aceitará preces e orações feitas em qualquer lugar. O fiel não perderá pontos por rezar fora da igreja.

Há quem sustente que templos devem ter prioridade na retomada porque a religião e seus cultos teriam o dom de tornar as pessoas mais éticas, o que seria socialmente relevante no momento. Não há, porém, nenhuma evidência empírica de que isso seja verdade. Pelo contrário, pesquisas sugerem que a religião não é um fator relevante quando se avaliam as atitudes morais e o nível de altruísmo das pessoas.

Há, por fim, a perspectiva do bem-estar. Aqui, a ciência está do lado dos religiosos. Dados de milhares de estudos mostram uma clara correlação positiva entre frequência a templos e indicadores subjetivos de felicidade, satisfação com a vida e até de saúde e longevidade. Ocorre que a maior parte desses efeitos pode ser atribuída à rede de interações sociais positivas e frequentes que a religião promove. Por essa lógica, igrejas deveriam reabrir quando reabrissem os clubes, centros de convivência e grêmios esportivos, que também proporcionam satisfação e saúde a seus usuários.

A maior parte das autoridades religiosas mundiais parece conformada com a ideia de que os cultos só devem ser retomados quando for seguro fazê-lo. Algumas lideranças neopentecostais, porém, pressionam governantes a colocar as igrejas no alto das prioridades. Por quê? Minha hipótese é que a arrecadação dos dízimos funciona melhor ao vivo que pela internet, mas, claro, é só uma hipótese.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".