segunda-feira, 6 de abril de 2020

Trilogia sobre educação mostra nova trincheira do bolsonarismo contra esquerda, FSP

'Pátria Educadora', da Brasil Paralelo, acerta ao questionar atual modelo, mas dá respostas rasas

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SÃO PAULO
Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, o interesse de parte da direita brasileira pelo dia 31 de março vem sendo renovado pela Brasil Paralelo. A produtora de vídeos gaúcha costuma escolher o aniversário do golpe de 1964 para lançar suas produções.
No ano passado, foi um documentário condescendente com a deposição do presidente João Goulart pelos militares. Neste ano, é uma ambiciosa trilogia sobre a educação brasileira, “Pátria Educadora”.
O apego à data é tamanho que o lançamento online foi mantido em plena crise do coronavírus, o que acabou diminuindo muito seu impacto. Apenas premières previstas para cinemas foram suspensas.
Os números envolvidos são grandiosos. São cerca de três horas e meia de duração no total, acessíveis sem custo no YouTube, e mais 40 minutos extras para assinantes. Até a tarde de domingo (5), os três filmes tinham conjuntamente cerca de 1,3 milhão de visualizações.
O presidente Jair Bolsonaro, ao lado de Olavo de Carvalho e do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores)
O presidente Jair Bolsonaro, ao lado de Olavo de Carvalho e do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) - Alan Santos/Presidência/AFP
A produção, diz a Brasil Paralelo, custou R$ 2 milhões e o trabalho intenso de 20 pessoas durante um ano.
A empresa diz que não aceita dinheiro público e se financia apenas com recursos de membros pagantes. Talvez tenham dado o passo maior do que a perna, vide os irritantes apelos por assinaturas ao custo de R$ 10 veiculados em intervalos de poucos minutos nos filmes, com o mote “não deixe nosso sonho acabar”.
Correndo ou não o risco de morrer, a Brasil Paralelo tornou-se a produtora por excelência do conservadorismo bolsonarista, com o filósofo Olavo de Carvalho como figura de destaque nos vídeos e grande inspiração ideológica.
“Pátria Educadora” é uma produção que segue o nicho de documentários engajados que está em alta já há alguns anos, cuja maior expressão foi “Democracia em Vertigem”.
A exemplo da produção pró-PT indicada ao Oscar, “Pátria” é bem feito tecnicamente, traz bons depoimentos e imagens de arquivo e lança questionamentos pertinentes. Mas não se engane: é cinema enviesado.
A própria escolha do tema é reveladora. A educação, para os conservadores, é hoje o principal front da batalha contra o “marxismo cultural”, um suposto domínio da esquerda sobre a produção e a difusão de conhecimento.
O título faz troça com o slogan do segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff, interrompido pelo impeachment em 2016. De modo geral, “Pátria Educadora” vai bem nas perguntas que faz e é simplificadora nas respostas que dá.
Por que o Brasil, cujo gasto com educação é maior do que o de países mais desenvolvidos, não consegue sair das últimas colocações em rankings internacionais de aprendizado?
Por que as universidades brasileiras produzem tantos artigos científicos de baixa qualidade? Por que o acesso universal à educação infantil não se traduz em jovens mais preparados? A gigantesca estrutura educacional, concentrada no MEC (Ministério da Educação), não deveria ser mais enxuta e descentralizada?
São provocações bem colocadas, apresentadas com dados persuasivos sobre nossa tragédia educacional.
Depoimentos de educadores, cientistas políticos, diplomatas, historiadores e filósofos, todos à direita no espectro ideológico, somam-se a uma bem feita reconstituição da história da educação no Brasil e no mundo. O papel de Gustavo Capanema, Anísio Teixeira e outras referências da área está presente.
Em alguns momentos é quase possível esquecer que se trata de uma trilogia engajada, mas as numerosas falas de Olavo de Carvalho e do folclórico ministro da Educação, Abraham Weintraub, acabam desmoralizando qualquer pretensão de sobriedade.
A resposta da trilogia para as perguntas que faz é rasa, para dizer o mínimo. Em uma frase, é tudo culpa da esquerda.
É a mentalidade esquerdista que tornou o Brasil tão atrasado em matéria de educação, diz “Pátria Educadora”: a esquerda que aparelhou as universidades, menospreza o ensino de exatas, incentiva o desrespeito aos professores e promove a balbúrdia em festas com sexo, álcool e drogas.
E também que incentivaria as discussões sobre gênero, sexualidade, racismo e xenofobia, contra os valores da família, da ordem e da pátria.
Nessa justificativa, revela-se mais uma vez a obsessão do conservadorismo com a figura de Paulo Freire. O autor de “Pedagogia do Oprimido” é praticamente pauta única do segundo filme da trilogia, que tem 1h10 min de duração.
O patrono da educação brasileira, morto em 1997, é descrito como a fonte de todos os males, do suposto atraso no nosso método de alfabetização à criação de um clima de anarquia nas salas de aula.
Até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (aprovada por um governo tucano) e a dificuldade de tradução de artigos brasileiros para o inglês caem na conta dele. Nem o PT deve achar Paulo Freire tão importante assim.
Em compensação, não há palavra sobre o caos que tem sido a educação no governo Bolsonaro, primeiro com a incapacidade de gestão do ministro Ricardo Vélez Rodríguez, depois com a boçalidade de Weintraub e seu vídeo dançando com guarda-chuvas.
Os problemas do ensino brasileiro são uma herança coletiva ao longo de décadas, e a esquerda certamente tem sua parcela de responsabilidade. O fato de ser identificada como "a" culpada é sintomático do estado de ânimos dos conservadores nesse tema.
“A educação brasileira é tirânica”, diz Olavo de Carvalho em uma das suas falas, num chamado aos discípulos para empreenderem a batalha pelo ensino, contra a influência do marxismo e o poder do Estado centralizador.
Como mostra "Pátria Educadora", esta guerra mal começou, e é difícil imaginar como alunos e professores se beneficiarão dela.

PÁTRIA EDUCADORA

  • Produção: Brasil Paralelo
  • Duração da trilogia: 220 minutos
  • Disponível no YouTube, no canal da Brasil Paralelo​

Afastamento por saúde é coerente e viável, James Akel , FSP

Ninguém pode esperar que Jair Bolsonaro renuncie. Afinal, se ele fosse um homem de renúncias, não teria chegado ao Palácio do Planalto pelo voto popular. Jair teve todas as chances para desistir ou renunciar ao seu sonho —e não o fez. É o perfil dele, e não podemos esperar que as pessoas fujam ao seu perfil.
Mas um fato inconteste é que, depois de ter vencido as eleições, alguma coisa séria mexeu com o emocional de Jair. Logo após a conquista, em sua primeira aparição, em vez de buscar equilíbrio nas palavras de um vitorioso, a primeira coisa que fez foi ameaçar esta Folha de cortar as verbas de publicidade do governo.
O presidente Jair Bolsonaro ao deixar o Palácio da Alvorada para cumprimentar apoiadores - Pedro Ladeira - 30.mar.20/Folhapress
Por mais que Jair odiasse a Folha, num momento assim seria natural que o eleito agradecesse os eleitores e escondesse seus ódios.
Qualquer estudante de psicologia pode constatar que alguma coisa não estava bem com o eleito Jair.
O tempo foi passando e as situações de demonstração de desequilíbrio emocional foram cada dia se revelando mais agressivas.
O penúltimo pronunciamento em rede nacional mostrou um Bolsonaro em galope de agressividade emocional. Aí a gente se lembra que algum tempo atrás ele já estava descontrolado com imprensa ou adversários.
As atitudes de Jair, desde o dia da eleição até agora, numa cavalgada de desequilíbrio emocional demonstrado, podem sim ter a ver com as inúmeras vezes em que ele teve que passar por anestesia geral, em curto espaço de tempo, além do estresse do perigo de morte e as paradas cardíacas que enfrentou.
A gente sabe que Jair sempre foi rude, arisco, mas o desequilíbrio emocional demonstrado é um grau muito além de rude e arisco.
O ideal agora seria que Jair pedisse uma licença por saúde, para dar um tempo de recuperação e poder até um dia voltar quando estiver melhor.
Jair não é homem de renúncia, mas pode ser de licença para repouso e recuperação emocional.
Mas enquanto isso não acontece, um fato inédito aconteceu.
Logo após a reunião virtual com os governadores do Sudeste, quando Jair teve um ataque de fúria contra João Doria —e não cabe aqui dizer quem tinha razão—, ele deveria dar uma coletiva de imprensa.
Eis que a coletiva foi cancelada, sabe-se lá por quem, e Jair sucumbiu ao silêncio. Mais tarde, porém, o vice Mourão, numa coletiva sobre a Amazônia, não se furtou em falar sobre Jair, dizendo que o presidente não usou as palavras adequadas em seu discurso na noite anterior em rede nacional e que o governo continuaria defendendo o confinamento das pessoas às suas casas.
Em palavras diretas, um vice-presidente da República desautorizou pronunciamento superior de um presidente da mesma República.
Vamos lembrar que o general Augusto Heleno voltou de seu afastamento uma semana antes do prazo.
E tudo o que se comenta entre colunas é que o país está sob comando de um quadrilátero do generalato, formado por Mourão, Augusto Heleno, Braga Neto e Fernando Azevedo.
Os mais antigos vão se lembrar de Costa e Silva, presidente no tempo dos militares que por um motivo de saúde saiu de cena e o país passou a ser dirigido por um triunvirato de generais mesmo tendo um vice vivo.
James Ackel
Jornalista e ex-conselheiro da ABI (Associação Brasileira de Imprensa)
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