sábado, 9 de março de 2019

As voltas que o mundo dá, FSP


Com reforma sindical, Bolsonaro defende posição libertária, e CUT quer algum tipo de tutela estatal


Pareceu-me correta a medida provisória baixada pelo governo Bolsonaro que exige autorização expressa do trabalhador para que ele tenha descontada de seu contracheque a contribuição sindical ou negocial, como vem agora sendo chamada.
Tanto o espírito como a letra da lei da reforma trabalhista (lei nº 13.467/17) dão ao trabalhador a liberdade de decidir individualmente se vai ou não financiar o órgão de classe. Se sindicatos, com a conivência do viés conservador da Justiça, estavam encontrando meios de contornar esse princípio, é razoável que o legislador (MPs precisam ser referendadas pelo Congresso) tome medidas para restaurá-lo.
Isso dito, é importante lembrar que a reforma sindical, iniciada com a lei nº 13.467, ficou pela metade. Acabar com as contribuições compulsórias às entidades de classe foi um passo importante, mas é preciso avançar mais. O mais urgente é pôr um fim ao princípio da unicidade sindical.

Carteira de Trabalho e Previdência Social; contribuição sindical terá de ser aprovada por escrito - Gabriel Cabral/Folhapress
Mais do que impedir a saudável competição entre entidades de classe para ver quem faz mais pelo trabalhador, a unicidade acaba favorecendo o surgimento de uma casta de dirigentes sindicais cujo principal objetivo é perpetuar-se em seus cargos. O resultado são sindicatos de fachada, que só sobreviviam por causa das contribuições obrigatórias.
O mundo não vive um bom momento para sindicatos, mas, se temos esperança de que eles voltem a desempenhar o papel de equilibrar um pouco mais o conflito distributivo entre capital e trabalho, é fundamental que haja plena liberdade de organização e filiação.
O engraçado aqui é ver a troca de posições. O corporativista autoritário Bolsonaro, com quem a estrutura sindical brasileira copiada da cartilha de Mussolini combina tão bem, defendendo a posição libertária, enquanto a CUT, depois de passar décadas advogando pela plena liberdade de associação, agora quer manter algum tipo de tutela estatal.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

OPINIÃO SARAH FELDMAN A área do elevado João Goulart, conhecido como Minhocão, deve ser transformada em parque? Não


Sarah Feldman
O hoje denominado elevado João Goulart, o Minhocão, foi inaugurado há exatos 48 anos como elevado Presidente Costa e Silva. Ao longo de sua existência e de seus quase três e meio quilômetros de extensão, não foram encontrados argumentos que contestem os prejuízos de ordem social, econômica e urbanística que essa obra de engenharia vem causando. 
Não foram encontradas também soluções para reverter os efeitos negativos de sua presença na cidade. Encravado no tecido urbano, entre edifícios de moradias, comércio e serviços, desconsiderou a importância da emblemática avenida São João, da rua Amaral Gurgel e da praça Marechal Deodoro como espaços públicos estruturadores de um setor da metrópole paulistana densamente ocupado por grupos sociais diversos e por um amplo leque de atividades econômicas e culturais.
A transformação do elevado em parque não reverte essa situação que prejudica moradores, proprietários, comerciantes e a população paulistana em geral. 

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É importante situar o Minhocão enquanto solução viária e urbanística na história da cidade, para além dos desvarios de um prefeito biônico do período autoritário, uma vez que o contexto político foi determinante para os processos de decisão e para sua construção. 
As vias expressas elevadas compuseram as políticas federais e municipais associadas à prioridade do automóvel como meio de transporte. A execução do Minhocão em tempo recorde, para satisfazer a agenda do prefeito, só acentuou o processo de desqualificação das obras públicas que se instalou em São Paulo (e no Brasil), a partir dos anos 1960. Essa desqualificação não pode ser dissociada do poder conferido às empreiteiras com a conivência do poder público que o período autoritário legitimou, e que até hoje persiste. 
No debate sobre os destinos do Minhocão, os custos do desmonte, seus transtornos e a apropriação do espaço do elevado como área de lazer vêm sendo utilizados como justificativas para sua manutenção.
A permanência do Minhocão representa a prevalência de um valor urbano superado: a opção pelo transporte individual. Esta é a condição para que o custo de seu desmonte se anteponha, há décadas, ao custo social de sua permanência. 
A ocupação e a apropriação do espaço do elevado como área de lazer e sua desativação para o tráfego de veículos estabelecida pelo Plano Diretor representam a inversão dessa equação —uma conquista que envolveu mobilização, organização da população e debate público. Manter a estrutura e transformá-la em um parquenão está à altura dessa conquista. 
A remoção é a oportunidade de se realizar um projeto exemplar para as vias e praças —todas de amplas dimensões— que contemple múltiplas formas de mobilidade e de apropriação coletiva do espaço público. Trata-se de adequar esses espaços às demandas atuais, ao presente da vida metropolitana.
Uma operação desse porte somente é viável com planejamento, com definição de etapas, de prazos e de custos. E ela exige soluções urbanísticas —de projeto e instrumentos— que assumam o transporte coletivo e o espaço público como valores urbanos fundamentais, que garantam a permanência de moradores e comerciantes que por décadas convivem com o Minhocão, e que reconheçam como interlocutores os grupos que vêm atuando para a sua ressignificação. É esse o presente que São Paulo merece. 
Sarah Feldman
Professora livre docente sênior do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo