terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Reajuste do STF causará efeito cascata de R$ 1 bilhão em São Paulo, Agora

William Cardoso
SÃO PAULO
aumento de 16,38% nos salários dos ministros do STF(Supremo Tribunal Federal) vai provocar um efeito cascata que custará aos menos R$ 1,084 bilhão em 2019 ao estado e municípios de São Paulo. O dinheiro que sai dos cofres públicos para bancar o reajuste para juízes, promotores, procuradores e funcionários com holerite vinculado seria suficiente, por exemplo, para entregar 7.227 casas populares.
O impacto do reajuste dos salários do STF foi estimado pela consultoria de Orçamento do Senado, que calculou um gasto a mais de R$ 4 bilhões em todo o Brasil (R$ 1,084 bi só em São Paulo). Já o governo estadual, que não leva em conta os custos dos municípios, prevê um desembolsode R$ 564 milhões só para cobrir os 16,38% de aumento.
Os salários dos ministros do STF tiveram aumento no dia 27, após sanção do Michel Temer (PMDB). Como consequência, salários do Judiciário e do funcionalismo, que são vinculados aos dos ministros, serão reajustados automaticamente.
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​Com o R$ 1 bilhão que será destinado só para conceder aumento a juízes, promotores, entre servidores do estado e municípios paulistas, daria, por exemplo, para pagar salários para 30.838 soldados da PM durante um ano. Na assistência, a grana seria suficiente para beneficiar 481 mil pessoas com o Bolsa Família em 2019.
Outra estimativa dá conta de que o valor do reajuste poderia ser usadopara bancar todos os remédios distribuídos na rede pública municipal da capital por cerca de dois anos e meio. Nos transportes, a população poderia ganhar com esse dinheiro 1 km de metrô, com uma estação, mais trens.
Especialista em economia e gestão pública afirmam que o impacto do aumento para o STF será um “desastre” nas contas de municípios, estados e do país.
“Se estamos juntando todas as moedas da casa para pagar as contas, então o aumento é algo desastroso”, afirma Gustavo Fernandes, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Segundo o especialista, o aumento ajuda o Brasil a ficar mais próximo de um “da implosão das contas públicas”. Fernandes diz que a PEC dos gastos públicos mostrou que quem tem mais poder sempre vai brigar por manter privilégios.
"Vai ter limite, mas quem tiver mais força vai pegar primeiro. Numa corrida, tem dez crianças e um adulto de 2,10 metros para chegar até um prato. Quem vai pegar a comida?”.
Professor de economia do Mackenzie, Vladimir Fernandes Maciel diz que a proposta feita pelos integrantes do Poder Judiciário de trocar o auxílio-moradia pelo reajuste não favorece as contas públicas.
“O auxílio-moradia não é salário. Ficaria restrito aos beneficiados e sairia mais barato. A gente está numa baita discussão sobre como encolher o estado, reduzir custos e vem isso” diz. “A gente só percebe o impacto dessas coisas quando um viaduto afunda porque não teve manutenção ou falta remédio no posto.”
O impacto do reajuste nas contas públicas poderá ser ainda maior, se os deputados federais resolvam elevar seus salários para o teto do STF. Para isso, precisam aprovar um projeto de lei.
Se isso acontecer, os deputados estaduais, que ganham 75% do salário dos colegas de Brasília, estarão aptos a ter aumento. E o mesmo poderá se estender a vereadores. Mas no caso deles, um reajuste em 2019 só valeria a partir da próxima legislatura, em 2021.
O STF (Supremo Tribunal Federal) disse em nota que o projeto de lei que previa o reajuste, sancionado pelo presidente Temer, levou em consideração a diferença entre o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), considerado o indicador da inflação, e reajustes do salário concedidos de 2009 a 2014, bem como a estimativa do Banco Central para a inflação em 2015.
AGORA

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

'Parabéns a (ou será 'à'?) você', Pasquale, FSP


Nesta quarta (10), o UOL publicou uma notícia relativa aos direitos sobre a música "Parabéns a (ou será 'à'?) Você", que, diferentemente do que muita gente pensa, não é brasileira. Mas isso é outra história. O que interessa neste momento diz respeito ao bendito "a" que antecede "você". Coloca-se ou não se coloca o pobre acento grave no coitadinho do "a"?
O monumental Ferreira Gullar diz que a crase não foi feita para humilhar ninguém. E não foi mesmo, sobretudo quando se pensa que a essência desse fato da nossa língua é perfeitamente compreensível.
Vamos aos fatos. De início, é bom lembrar que "crase", palavra de origem grega, significa "fusão", "mistura". No caso da gramática, "crase" vem a ser a fusão de duas vogais iguais. No caso do português moderno, "crase" vem a ser a fusão da preposição "a" com um segundo "a", que em 99% dos casos é o artigo definido feminino "a".
Em "...depois do ataque terrorista à redação do Charlie Hebdo..." (de "Somos Todos Lula", de Elio Gaspari ), por exemplo, o "à" que vem antes de "redação" resulta da fusão (fusão = crase) da preposição "a", regida por "ataque" (ataque a alguém ou a alguma coisa), com o artigo "a", determinante do substantivo feminino "redação". O resultado de "a" + "a" é "à".
Vale a pena citar o velho "truque" da troca do vocábulo feminino por um masculino DA MESMA CLASSE GRAMATICAL e do mesmo tipo. No caso visto, pode-se trocar "redação" por "escritório", por exemplo. O que surge? Vamos lá: "...depois do ataque terrorista ao escritório do Charlie Hebdo...". Como se vê, o "à" se transformou em "ao". Ora, se a forma "ao" resulta de "a" + "o" (o "a" é o "a" de ataque a alguém ou a alguma coisa; o "o" é o artigo "o" de "o escritório"), a forma "à" resulta de "a" + "a" (o primeiro "a" continua sendo o "a" de ataque a alguém ou a alguma coisa; o segundo "a" é o artigo "a" de "a redação").
Posto isso, voltemos ao inocente "Parabéns a você", que se escreve com "a" mesmo (como estava no UOL) e não com "à", que não se justificaria de jeito nenhum. E por que não se justificaria? Por uma razão muito simples: a palavra "você" por acaso é feminina? Por acaso pede artigo feminino? Alguém já disse ou escreveu a uma mulher algo como "Gosto muito da você", "Só penso na você" ou "Estou apaixonado pela você"? Certamente não, então...
Então o bendito "a" que vem antes de "você" não pode receber o acento grave (ou acento indicador de crase), por uma razão mais do que simples, elementar, matemática: porque não há crase, ou seja, não há fusão, não há "a" + "a". Há apenas um "a", que não se funde com coisa alguma. Simples, não?
Algum falso defensor dos fracos e oprimidos poderá dizer que o indevido acento grave no "a" em "Parabéns a você" não tornaria a frase incompreensível. Pois é aí que mora o perigo. O que importa é entender o princípio, o fundamento, para ser capaz de aplicá-lo na hora de escrever e/ou ler um texto escrito na língua padrão, situação em que esse acento pode fazer muita diferença.
Ou será que algum deslumbrado acha que as construções "...a eterna desventura de viver à espera de viver ao lado teu" e "...a eterna desventura de viver a espera de viver ao lado teu" significam a mesma coisa? Xô, populismo! É isso.

A censura não falha Cedo ou tarde, leva ao ridículo todos os que tentam praticá-la , Ruy Castro FSP


“Laranja Mecânica”, filme de Stanley Kubrick com algum sexo e muita violência, estreou em 1972 no mundo adulto —EUA, Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Japão, Canadá, Suíça etc.— e as instituições continuaram de pé. No infantilizado Brasil, só foi liberado em 1978 e, mesmo assim, com inéditas bolas pretas sobre as partes dos personagens. Como estes se moviam em cena, as bolas os acompanhavam e a tela parecia uma sinuca dançante. A plateia urrava de rir.
Em 1970, a censura proibiu a circulação da Playboy americana no país e obrigou sua humilde congênere nacional, Fairplay, a circular dentro de um plástico lacrado e com uma cor chapada em cima, deixando visível só o logotipo. Era ridículo, mas, com isso, a censura conseguiu asfixiar a revista, que fechou. Em 1955, “Rio 40 Graus”, filme de Nelson Pereira dos Santos, também foi proibido no lançamento, sob a alegação de que no Rio não fazia 40 graus.

A estátua do Manequinho vestida com a camisa do Botafogo em frente à sede de General Severiano
A estátua do Manequinho vestida com a camisa do Botafogo em frente à sede de General Severiano - Erbs Jr./Frame/Folhapress
Em 1931, nomeado Chefe da Polícia do Distrito Federal —o Rio— por Getulio Vargas, o provinciano Batista Luzardo deu uma volta por Copacabana e não gostou. Os rapazes e moças na praia usavam maiôs colantes que mostravam suas pernas e costas. Uma afronta. Luzardo tentou impor a volta do roupão de banho sobre as carnes quase nuas. O carioca ignorou-o e zombou dele.
Mas ninguém supera o prefeito Paulo de Frontin. Em 1919, ele mandou recolher a estátua do Manequinho, o menino fazendo xixi, então na praça Floriano, como “indecorosa”. E olhe que quase todo mundo tinha em casa um Manequinho vivo. Apesar de ridicularizado pela cidade, Frontin manteve a proibição. O Manequinho ficou esquecido num depósito e só voltou em 1926, no Mourisco, perto de onde está hoje. 
A censura não falha. Cedo ou tarde, leva ao ridículo todos os que tentam praticá-la. Os futuros governantes, chegados a um ranço moralista, terão sua chance de se tornar piada nacional.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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